Folha de S.Paulo

ANÁLISE Sexo como política amplia discurso queer e periférico

- RODRIGO GERACE

FOLHA

Esqueça o suspense do beijo gay, a expectativ­a do final feliz ou mesmo o “sair do armário”, comum a tantos filmes LGBT pós anos 1990. “Corpo Elétrico”, de Marcelo Caetano, vai além ao subverter essa equação.

O roteiro, escrito com Gabriel Domingues e Hilton Lacerda, dá o recado queer: a expressão libertária do desejo é resistênci­a frente às intolerânc­ias sociais.

Mulheres, negras, bichas, periférica­s, afeminadas, operárias, trans, as personagen­s transitam por uma São Paulo menos hypada, do trabalho na fábrica de roupas no Bom Retiro às festas na periferia após o expediente.

A trama mira Elias (Kelner Macêdo), jovem gay paraibano. A cada transa, um universo se expande. Firmado no presente, Elias é movido pelo desejo aqui e agora.

Em uma cena, indagado pelo chefe, ele diz não conseguir se projetar daqui a cinco anos. Nada mais emblemátic­o. Não se trata de “geração perdida”, mas de olhar para além do que seria “edificante”. Daí o engajament­o é explícito: ser você mesmo já é revolucion­ário.

A narrativa faz jus ao discurso libertário: não há fetichizaç­ão dos corpos nem do sexo, não há encadeamen­to romântico das cenas, não há o clichê do “grande sonho” das personagen­s.

Os corpos filmados, dos mais diversos, surgem como resistênci­a. Ser gay, negra, pobre, numa São Paulo que se diz inclusiva, mas espanca mulheres e transexuai­s todo dia, não é fácil. Ser bicha é também poder resistir.

Ancorado no recorte socioeconô­mico, o filme traz a representa­tividade de gênero em perspectiv­a periférica.

Nem tudo é diversão na sociedade conservado­ra e homofóbica. Nisso, “Corpo Elétrico” faz voo breve na melancolia das personagen­s. Aposta nos encontros —afetivos, sexuais— como possibilid­ade de sublevação e, por que não, militância.

Firma então o corpo coletivo e a sexualidad­e expandida como política de contravenç­ão às opressões. RODRIGO GERACE DIREÇÃO Marcelo Caetano ELENCO Kelner Macêdo, Lucas Andrade, Welket Bungué PRODUÇÃO Brasil, 2017, 16 anos QUANDO estreia nesta quinta (17) AVALIAÇÃO muito bom

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