Folha de S.Paulo

Terror permeia história moderna da Espanha

Barcelona foi alvo de atentado a bomba em teatro no século 19, e país depois sofreu com ação de ETA e Al Qaeda

- IGOR GIELOW

A mais recente expressão do terrorismo, o atropelame­nto de inocentes, chegou nesta quinta (17) ao mesmo endereço no qual o termo foi usado por uma das primeiras vezes como o conhecemos hoje, no fim do século 19.

Em 7 de novembro de 1893, um anarquista jogou duas bombas na plateia que assistia ao segundo ato da ópera “Guilherme Tell” no magnífico Gran Teatre del Liceu — localizado na Rambla, cenário das mortes em Barcelona. Uma delas explodiu, matando cerca de 20 pessoas.

O atentado foi o primeiro de muitos que atingiriam a Espanha, isso sem contar a troca de atrocidade­s entre os “brancos” de Francisco Franco e os republican­os “vermelhos” durante a Guerra Civil (1936-1939).

São atribuídas ao lado vencedor, fascista, de 60 mil a 400 mil mortes até o fim da ditadura, em 1975. Aos esquerdist­as, de 38 mil a 72 mil.

Mas o terror promovido por grupos subnaciona­is ganhou corpo com o surgimento do ETA, uma organizaçã­o que visava a independên­cia das áreas de maioria basca na Espanha e França, nos anos 60.

O grupo, que tinha apoio de agremiaçõe­s análogas como o IRA norte-irlandês, matou 486 membros de forças de segurança e 343 civis de 1968 até depor armas em 2011 —um processo que só acabou oficialmen­te neste ano.

Suas ações ocorriam majoritari­amente na capital, Madri, e na região do País Basco. Barcelona foi atingida ocasionalm­ente, com um grande incidente: o bombardeam­ento de um supermerca­do em 1987, com 21 mortos.

O ETA cometia todo tipo de assassinat­o, mas sua marca registrada eram os carrosbomb­a. Só em Madri, foram 37, com 121 mortos. O Ministério do Interior espanhol contabiliz­a cerca de 3.300 ataques, que também deixaram 2.000 feridos.

O terror islâmico visitou a Espanha pela primeira vez ainda nos anos 1980. A explosão de uma bomba no restaurant­e El Descanso, frequentad­o por militares americanos em Madri, matou 18 pessoas. A autoria foi atribuída ao grupo xiita libanês Jihad Islâmico, mas ninguém che- gou a ser preso.

Mas foi a ascensão da Al Qaeda que marcou a história de sangue dos atentados da Espanha. A rede do terrorista saudita Osama bin Laden (1957-2011) surgiu em 1988, mas ganhou fama mundial pelos ataques do 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington.

Ela fez sua estreia em Madri num outro dia 11, em março de 2004. No começo da manhã, dez artefatos explodiram de forma coordenada em quatro trens lotados na malha ferroviári­a urbana. Morreram 192 pessoas, com pouco mais de 2.000 feridos.

Além do custo humano, houve baixas políticas também. O governo do conservado­r Partido Popular, que apoiava a guerra que os EUA travavam desde 2003 no Iraque, era favorito para reeleger-se em eleições gerais marcadas para três dias depois dos ataques.

Como sugeriu inicialmen­te que o ETA estava por trás dos atentados, o premiê José María Aznar foi acusado de tentar evitar a associação entre seu apoio à guerra e os terrorista­s islâmicos. Resultado: perdeu a eleição para os rivais socialista­s.

O passado da região alimenta o imaginário de muitos jihadistas, que sonham com Al Andalus. De 711 a 1492, a Espanha sediou esse poderoso califado. No auge, os muçulmanos dominaram quase toda a Península Ibérica, e o processo de reconquist­a por parte dos cristãos foi central para a cristaliza­ção das identidade­s nacionais espanhola e portuguesa.

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