Folha de S.Paulo

CRÍTICA ‘Annabelle 2’ é vítima da própria protagonis­ta

Sequência da franquia tem ritmo e plasticida­de, mas boneca, que não faz nada, é o vilão mais imprestáve­l do terror

- CHICO FELITTI

FOLHA

O terror psicológic­o é construído com silêncios. Em “Annabelle 2”, o único elemento a ficar quieto é a boneca imóvel que dá título ao filme. De resto, o silêncio só serve se for rasgado por um barulho alto e súbito, a cada três minutos.

O brinquedo, figurante em “Invocação do Mal”, ganhou franquia própria em 2014. A boneca vendeu que nem água: arrecadou quase R$ 1 bilhão no mundo. E cá estamos com mais um episódio do objeto de terror inanimado.

“Annabelle 2” mostra a origem da boneca. A verdadeira, não a versão falsiê apresentad­a no primeiro filme, em que a alma de uma assassina dos anos 1960 era transplant­ada para o brinquedo —é que a cútis satânica da boneca esconde sua verdadeira idade.

Estamos em 1940: um bonequeiro e sua mulher perdem a filhinha amada. Uma década depois, decidem que a casa é grande demais para o casal e dezenas de bonecas tétricas. Convidam uma horda de órfãs, toureada por uma freira. Claro, por que não?

Uma das gurias, a coxa de poliomieli­te, é mais curiosa do que deveria e encontra um armário trancado. E adivinha quem está lá dentro?

Plasticame­nte, o filme é um sucesso: direção de arte e fotografia são de um capricho sem paralelo no gênero, os planos são ousados e a trilha vai na lógica do filme: silêncio, silêncio, silêncio, BARULHO MUITO ALTO.

Até o elenco sai quase todo vivo de uma crítica. As atrizesmir­ins dão conta do recado de gritar e dois segundos depois estarem calmas, se convencend­o de que o capeta era só o fervilhar das mentes. O pai (Anthony LaPaglia) é de uma canastrice antológica. Toda fala parece um sarau da Escola Wolf Maya de artes televisiva­s.

É um filme com ritmo, que poderia ir além. Mas o roteiro é vitimado pela boneca. É preciso explicar a todo momento a sua presença. Estamos diante do vilão mais imprestáve­l do terror comercial recente.

Annabelle não faz nada. Na-da. Uma lata de lixo roubaria seu lugar, se tivesse um ar maligno. Para driblar as limitações, dá-lhe clichês do terror paranormal: poço (“O Chamado”), espantalho (“Colheita Maldita”), vômito em jorros (“O Exorcista”), portas batidas por mãos invisíveis (todo terror feito desde 2000).

“Annabelle 2” finaliza com dignidade toda e qualquer possível história dessa vilãzinha de porcelana. Capaz que num futuro próximo Hollywood volte sua sanha para outras linhas de brinquedos assassinos, em filmes como “O Spinner Demoníaco” ou “Tamagochi Atrás da Porta”. (ANNABELLE: CREATION) DIREÇÃO David F. Sandberg ELENCO Stephanie Sigman, Miranda Otto, Anthony LaPaglia PRODUÇÃO EUA, 2017, 14 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO bom

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Divulgação Stephanie Sigman e Lulu Wilson em ‘Annabelle 2’, segundo filme da boneca demoníaca

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