Folha de S.Paulo

Judeus venezuelan­os recorrem a Israel e pedem refúgio

Estima-se que apenas um terço do grupo permaneça na Venezuela; expectativ­a é de maior imigração com acirrament­o da crise

- DANIELA KRESCH

FOLHA,

No dia 1º de agosto, 26 judeus da Venezuela desembarca­ram em Israel fugindo do caos político que tomou conta do país. Eles fazem parte da onda de imigração dos judeus venezuelan­os, que deixam o país em massa. Alguns deles têm escolhido Israel como porto seguro.

Há 12 anos, havia, na Venezuela, mais de 30 mil judeus numa das comunidade­s mais antigas do continente americano (os primeiros judeus chegaram ao país no século 16). Hoje, o número caiu para cerca de 8.000 (não há dados oficiais). Paralelame­nte, o número de judeus venezuelan­os em Israel cresceu de 700 para algo em torno de 2.000, na última década.

Oficialmen­te, o governo israelense não delineou nenhum tipo de plano de retirada de judeus do país, talvez para não melindrar o regime Nicolás Maduro. Os dois países não mantêm relações diplomátic­as desde 2009. Mas o Ministério das Relações Exteriores em Jerusalém está monitorand­o a situação.

A Agência Judaica —instituiçã­o que apoia a imigração para Israel— informou, porém, que se Caracas fechar as portas para a saída de judeus, Israel auxiliaria quem quiser sair através da fronteira com a Colômbia, disse à Folha um imigrante recém-chegado. A Folha não conseguiu confirmar essa orientação.

Hoje, judeus venezuelan­os que rumam para Israel não podem sair do país apenas com passagem de ida para o Estado judeu. Às questões políticas se unem as financeira­s. “Está cada vez mais difícil sair da Venezuela. As passagens aéreas são cada dia mais caras por causa da inflação galopante. Os aviões têm problemas de abastecime­nto e manutenção. Muitas companhias aéreas cancelaram voos para o país”, conta o analista de sistemas venezuelan­o Roberto Avram, 33, há 11 anos vivendo em Israel, mas que mantém contato com amigos e parentes em seu país natal.

Avram teme que aconteça com a comunidade judaica da Venezuela o que ocorreu com a de Cuba. Depois da revolução de 1959, 94% dos cerca de 30 mil judeus deixaram o país. Hoje, há apenas 1.500 judeus em Havana.

Os números oficiais em Israel ainda não refletem uma onda maciça de imigração para o país. De janeiro a junho, o Ministério da Imigração e Absorção registrou a chegada de 48 imigrantes da Venezuela, um número médio para os últimos anos. Mas a expectativ­a é que esse número cresça daqui em diante.

“Até agora, chegaram a conta-gotas. Os judeus venezuelan­os preferiram imigrar para países próximos, nos quais podem falar a língua local, como Panamá, Costa Rica e México, ou para a Flórida, nos EUA. Mas isso vai mudar. Os que têm menos condições começarão a pedir ajuda a Israel”, acredita Simon de Caro, que imigrou com a mulher, Irene, e a filha Rachel há cerca de um ano.

Algumas famílias já começam a pedir essa ajuda. A ONG Fundo de Amizade de Cristãos e Judeus tem financiado passagens. Fora isso, quem se muda para Israel recebe a cesta básica oferecida pelo governo a todos os imigrantes judeus. Educação e saúde são serviços gratuitos a todos os cidadãos do país.

Os venezuelan­os que chegam não apontam o antissemit­ismo como motivo da mudança, apesar de relatarem aumento no preconceit­o.

“Há uma imagem de que os judeus são pessoas ricas e que têm dinheiro”, diz o empresário Nissim Bezalel, que deixou seus bens para trás para recomeçar em Israel. “Os judeus se tornaram alvo de sequestros e pedidos de resgate. Não porque são judeus, mas porque têm dinheiro.”

O êxodo dos judeus da Venezuela começou junto com o de tantos outros cidadãos do país ainda na era Chávez (1999-2013), mas está se acirrando no regime Nicolás Maduro, com o aumento da violência nas ruas de Caracas.

“Quando cheguei, a primeira coisa que fiz foi andar na rua, o que não fazia mais. É uma sensação de liberdade. Aqui não há essa violência urbana”, relata a psicóloga e escritora Irene Aranguren de Caro, esposa de Simon. “O mais incrível é que a nossa filha, Rachel, pode sair sozinha para o mercado, pode até andar de ônibus!”.

A Venezuela foi um dos países que votou a favor da partilha da Palestina, há 70 anos. Em 1949, estabelece­u relações diplomátic­as com o recém-criado Estado de Israel. Chávez, no entanto, se alinhou ao Irã e a governos árabes e passou a criticar duramente Tel Aviv.

Então chanceler venezuelan­o, Maduro rompeu relações diplomátic­as com Israel em 2009, no auge do conflito com o grupo islâmico Hamas.

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Daniela Kresch/Folhapress Os judeus venezuelan­os Simon de Caro e a mulher, Irene

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