Folha de S.Paulo

Criticada, tática do Brasil ouro no Pan virou tendência no basquete

Título contra os Estados Unidos, em Indianápol­is, completa 30 anos na quarta-feira (23)

- GIANCARLO GIAMPIETRO

Sob comando do técnico Ary Vidal, seleção brasileira apostou em cestas de três pontos para vencer americanos

Para quem vê de fora, foi uma das maiores vitórias do basquete brasileiro. Dentro do universo da modalidade, porém, os campeões panamerica­nos de 1987 já enfrentara­m muita resistênci­a desde a conquista de medalha histórica em Indianápol­is, nos EUA, com vitória na final contra o time da casa.

Aquela foi a primeira derrota da seleção norte-americana em seu território.

Ainda assim, o estilo de jogo do time brasileiro foi visto como herança maldita à modalidade, incentivan­do os arremessos de longa distância e supostamen­te corrompend­o o jogo de equipe.

“A gente foi muito criticado por ter, entre aspas, individual­izado um jogo coletivo”, conta o ex-ala Marcel de Souza, 59, um dos grandes cestinhas brasileiro­s.

Hoje, com o chute de três pontos disseminad­o como grande arma tática, os veteranos não deixam de ver a ironia nos incontávei­s elogios que, por exemplo, recebem os atuais campeões da NBA, do Golden State Warriors.

“Agora o mesmo jogo é visto como coletivo. Falam: como eles passam a bola, como se movimentam”, diz Marcel.

Há 30 anos, a seleção dirigida por Ary Vidal realmente antecipou um padrão de jogo que hoje está em voga.

Em meio a uma revolução estatístic­a pela qual passa a NBA, os arremessos de fora são postos como uma dos lances mais eficientes.

Nunca se chutou tanto de três pontos como em 2016-17. Líder nesse quesito, o Houston Rockets tentou 3.306 disparos de fora na temporada regular (40,3 por jogo).

O técnico do time texano é Mike D’Antoni, visto na liga como um pioneiro desse estilo de jogo agressivo. Na década passada, à frente do Phoenix Suns, pôs em prática um ataque que ficou conhecido como “sete segundos ou menos”.

A ideia? Que as melhores oportunida­des aconteceri­am com menos de sete segundos de posse de bola gastos.

À distância, o ritmo frenético parecia o de um rachão. Mas o sistema era, na verdade, bastante coordenado.

Para Marcel, a mesma confusão foi feita em relação ao Brasil campeão do Pan.

“Se for ver como atacávamos, era jogo conceitual. Sabíamos o que ia acontecer em quadra. Estava tudo treinado”, lembra. “Nosso tempo médio poderia ser de quatro segundos. O D’Antoni estava atrasado em três.”

O chute de três foi introduzid­o no basquete Fiba apenas em 1984. Três anos depois, o fundamento ainda não era tão praticado assim.

O técnico Ary Vidal, porém, enxergou em seu elenco talento suficiente para que a equipe passasse a arriscar mais. O processo foi iniciado na preparação para o Mundial de 1986, na Espanha.

“O Ary disse a mim e ao Oscar que poderíamos arremessar quando e de onde quiséssemo­s. Olhei para o Oscar e falei: ‘É verdade isso’? [risos] Saímos dali para treinar ainda mais”, conta Marcel.

O Brasil terminou o Mundial em quarto, perdendo o bronze para a Iugoslávia.

No Pan de 1987, derrubou uma seleção americana universitá­ria , mas que apresentav­a nove atletas que teriam longa carreira na NBA.

O pivô David Robinson era o destaque. Cinco anos depois, seria membro do “Time dos Sonhos” campeão olímpico em Barcelona.

O assistente-técnico José Medalha deu ainda mais incentivos à vocação daquela seleção para se chutar de três pontos, depois de estudar os EUA durante o torneio.

Sua análise foi de que o time da casa priorizava sua defesa interior e quase não dava atenção ao perímetro. Foi um bombardeio. A seleção brasileira acertou 10 de 25 arremessos de longa distância, contra apenas 2 de 11 dos americanos.

Com virada no 2º tempo, o Brasil venceu por 120 a 115.

Em termos de ironias, Marcel retorna ao Mundial de 1986, no qual a seleção caiu nas semifinais justamente contra os EUA. Para aquele jogo, a avaliação de Medalha foi de que seu time não precisaria se preocupar com o tiro exterior dos oponentes.

O plano de jogo foi executado. A seleção usou marcação mais recuada.

“Eles mataram tudo”, diz Marcel. “Sabe quem estava no time? Steve Kerr.”

Pentacampe­ão como jogador por Chicago Bulls e San Antonio Spurs, Kerr tem o melhor aproveitam­ento nos arremessos de três pontos da história da NBA. Hoje ele é técnico do Golden State. Israel (pivô) pega o rebote. Passa para Maury (armador), que avança com a bola com um ou dois dribles para efetuar o passe, que pode ser para Gérson (pivô), entrando no garrafão, ou para Marcel (ala) na chamada “zona morta” para o disparo de três. A ação pode durar menos de quatro segundos

 ?? Arquivo/ CBB ?? Coberto pela bandeira brasileira, Oscar comemora o ouro conquistad­o em Indianápol­is
Arquivo/ CBB Coberto pela bandeira brasileira, Oscar comemora o ouro conquistad­o em Indianápol­is

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil