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François Pachet, especialista em inteligência artificial, diz que tecnologia serve para auxiliar artistas, mas não para gerar músicas automaticamente
Há pouco mais de um mês, o especialista em inteligência artificial para criação musical François Pachet, 53, viu seu nome circular pelo noticiário ao receber uma oferta de emprego do Spotify, serviço digital de música sob demanda.
Para a mídia especializada, o francês seria a cabeça por trás de experimentos como faixas para adormecer ouvintes ou que se transformassem conforme os períodos do dia.
“Certamente há novas tecnologias muito interessantes, mas as pessoas fantasiam achando que é o fim da humanidade”, disse Pachet à Folha. Segundo ele, sua pesquisa visa impulsionar a criatividade de artistas, e não gerar músicas automatizadas.
O francês passou duas décadas na Sony, onde coordenou o projeto Flow Machines. O sistema permite, por exemplo, a criação ou transposição de músicas emulando artistas ou gêneros. Ele esteve no Recife para lançar a opção do estilo brasileiro, feita em parceria com músicos e produtores do Porto Digital.
Pachet está prestes a soltar seu primeiro álbum de composições criadas com recursos de inteligência artificial. Folha - Que tipo de ferramentas digitais o sr. projeta?
François Pachet - Ainda é necessária muita pesquisa. Há um paradoxo. Ao mesmo tempo em que a inteligência artificial para a criação de música é novaeempolgantee,talvez,em certo sentido, revolucionária, não há nada realmente novo.
Nos anos 1980, houve duas revoluções na área: o avanço dos sintetizadores digitais, e outra, ainda mais importante, dos samplers digitais [softwares que armazenam áudios digitais de instrumentos].
Você poderia comprar um sintetizador, pressionar uma tecla e ter o som perfeito de piano, violão ou orquestra. O temor atual é uma repetição?
Diziam que seria o fim da música, que máquinas substituiriam músicos. Aconteceu exatamente o oposto. Sou músico, toco guitarra o dia inteiro, sei o que é música. A única questão é se poderemos criar música um pouco diferente e audaciosa. Quero ver a reação do público. Ele a acha interessante ou boa? É a pergunta mais importante e complexa. É possível criar hoje uma máquinaautomatizadademúsica?
Não e nem queremos. Isso vem sendo feita há muito tempo, mas não é interessante, ninguém liga para esse som. As pessoas querem fazer música que seja atraente, que as outras ouçam e fiquem viciadas, que não saia da cabeça.
Fazer isso é muito difícil até para humanos. Talvez nunca cheguemos lá. Não sabemos se poderemos construir um sistema com alguma consciência. Posso citar um pesquisador que diz que deveríamos nos preocupar antes com a superpopulação de Marte do que com uma guerra da inteligência artificial contra humanos.