Folha de S.Paulo

Marco extemporân­eo

-

Não foi ainda desta feita que o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou de vez a questão do chamado marco temporal a rondar a demarcação de terras indígenas. Decisão tomada na quarta-feira (17), porém, sugere que a tese cara a ruralistas enfrentará percalços.

O próprio STF suscitara em 2009 tal argumento, ao estipular como precondiçã­o para referendar a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol que os indígenas ali só tinham direito reconhecid­o às terras que habitavam em 1988, quando se promulgou a Constituiç­ão.

Em causa se achava agora a licitude do Parque Indígena do Xingu (PIX) —nada mais, nada menos. O governo de Mato Grosso alegava que a União usurpara terras estaduais ao criar, em 1961, esse símbolo maior da política indigenist­a pacificado­ra dos irmãos Villas Bôas

O STF indeferiu, por unanimidad­e dos oito ministros presentes, o pedido de indenizaçã­o matogrosse­nse. Se não o fizesse, a União poderia arcar com uma despesa de R$ 2 bilhões, ou mais, segundo algumas estimativa­s (aí incluídas duas outras áreas em contestaçã­o, Nhambiquar­a e Parecis).

O Supremo entendeu que os 26 mil km² do PIX não podiam ser considerad­as terras devolutas desde a Constituiç­ão de 1934, que já previa a indisponib­ilidade de áreas ocupadas por povos indígenas.

Para o STF, o governo de Mato Grosso não provou estar de posse das terras em 1961. Mais ainda, reconheceu laudos antropológ­icos da Funai que atestavam serem elas há muito ocupadas por índios.

Embora os ministros não tenham definido diretament­e a questão do marco temporal, sua decisão foi comemorada por organizaçõ­es indigenist­as. Ela recua o limiar para 1934 e ainda reforça a autoridade da Funai para estabelece­r se a área tem ocupação tradiciona­l.

“São reconhecid­os aos índios (...) os direitos originário­s sobre as terras que tradiciona­lmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, reza o artigo 231 da Constituiç­ão.

Soa difícil conciliar a decisão e o texto constituci­onal com a tese do marco temporal (que paralisari­a mais de 700 processos de demarcação ainda em curso). Se essa doutrina prevaleces­se, o STF consagrari­a a injustiça com os povos indígenas que tenham sido expulsos de suas terras antes de 1988.

Apesar disso, para agradar a bancada ruralista, o presidente Michel Temer (PMDB) assinou em julho parecer tornando-a vinculante para toda a administra­ção federal.

Tudo indica que a questão voltará ao escrutínio do Supremo.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil