Sírios no Líbano não pensam em regressar
Visita campo de refugiados e conversa com quem fugiu da guerra civil que devasta o país há mais de seis anos
Famílias falam do medo com relação ao futuro e relatam a dificuldade de obter dinheiro e os insultos recebidos
No último dia 3 de agosto, a temperatura no Vale do Bekaa, na região central do Líbano, rondava os 35ºC.
Dentro das barracas de lona do campo de refugiados próximo da pequena cidade de Baaloul, o calor do verão libanês é ainda mais intenso.
Vestida com uma abaya, a túnica que cobre todo o corpo das muçulmanas, a síria Etidal Mohamad, 35, não parece se incomodar com clima.
A temperatura alta e a aridez da região não estão entre as grandes preocupações dessa mãe de quatro filhos.
Etidal contou à Folha que ela e a família viviam em Daraa, uma das cidades sírias mais castigadas pelos bombardeios das forças do ditador Bashar al-Assad.
No sul do país, Daraa é uma cidade-chave para a compreensão dos confrontos. Foi lá, em março de 2011, que adolescentes foram torturados pelos soldados de Assad após pintar mensagens de protesto no muro de uma escola. A partir daí, eclodiram os conflitos entre as forças do regime e os insurgentes.
Um ano depois do início dos combates, Etidal e a família conseguiram uma carona para levá-los ao Bekaa, no Líbano. Àquela altura, uma tia dela e alguns de seus primos já tinham sido mortos em decorrência de bombardeios em Daraa. De acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, já morreram na guerra mais de 312 mil pessoas. NO CAMPO E NA ESCOLA Enquanto o caçula Ibrahim vê TV, Etidal conta que temia pela vida das suas crianças quando a guerra começou. Hoje, receia pelo futuro que os quatro filhos terão.
A mais velha é Manar, 16, que já está noiva. É ela quem ajuda a mãe a cuidar dos irmãos —Khaled, 12, Omar, 10, e Ibrahim, 4— quando os garotos não estão na escola.
Ibrahim frequenta uma sala de aula montada dentro do campo de refugiados. Já Manar, Khaled e Omar estudam junto com os libaneses em um colégio na cidade de Baaloul.
Segundo a mãe, os três são cotidianamente insultados na escola. “Outro dia, um funcionário falou para os meninos: ‘Vocês são sujos. O que estão fazendo neste país?’”.
Diferentemente do marido, que faz bicos, Etidal muito raramente deixa o campo. Muçulmana sunita, ela prefere rezar em sua barraca a ir à mesquita de Baaloul.
Etidal não quis ser fotografada, mas deu permissão para um retrato dos dois filhos que estavam na barraca. TÃO PERTO, TÃO LONGE Quando começou a guerra na Síria, em 2011, o Líbano tinha cerca de 4 milhões de habitantes. Desde então, recebeu mais de 1 milhão de moradores do país vizinho.
Embora não seja o principal destino dos refugidos sírios, o Líbano ocupa a liderança quando se considera a proporção de sírios frente à população local. De cada cinco pessoas que vivem no país, pelo menos um é sírio.
“Os sírios vêm para cá e aceitam receber por determinados trabalhos um terço do valor que costuma ser pago aos libaneses. Assim, roubam os empregos do povo daqui”, queixa-se Fatima Smidi, 54, que mora em Al-Khiara, também no Vale do Bekaa.
Fatima se mudou para o Brasil em 1987, onde viveu por 20 anos. Ela fugia da guerra civil no Líbano, que se estendeu de 1975 a 1990.
Em fases diferentes ao longo desses 16 anos, o Líbano foi ocupado por Israel e Síria. Entre os libaneses mais velhos, são recorrentes os comentários que revelam impaciência com os sírios. VIZINHAS Shadia Gassem, 50, mora ao lado de Etidal no campo de refugiados, que reúne cerca de 350 pessoas.
As vizinhas guardam diversos pontos em comum: são muçulmanas sunitas, mães de quatro filhos e têm a mes- ma origem, Daraa, na Síria.
O cotidiano de Shadia, porém, é mais precário. Com os pés inchados, ela mal consegue andar e depende da ajuda de outros refugiados e de eventuais doações. Seu marido morreu há dez anos.
Na família de Shadia, o único que trabalha é o filho mais velho, Amjad, 22. Ganha muito pouco como servente de pedreiro, e quase tudo é gasto com o filho bebê e com os remédios para a mãe. Embora saiba que amplas áreas da sua cidade na Síria estão em ruínas, Shadia aguarda o dia de retornar.
Não é o que pensa Mariam Barakat, 37, também refugiada síria. Sem emprego e com um marido que ficou cego depois de um acidente de caminhão, ela não cogita rever sua cidade natal, Hama.
Diferentemente de Etidal e Shadia, Mariam não vive em um campo de refugiados. Ela mora há seis anos em um bairro modesto de Beirute.
Após recordar a morte dos membros da família de um tio durante a guerra, Mariam expressa, com ênfase, a razão de não querer botar os pés de novo no país em que nasceu.
“A Síria será como o Iraque. Os movimentos terroristas vão se perpetuar.”
ZILDA NAVES NAIEF HADDAD