Folha de S.Paulo

Cientistas apostam em antibiótic­o de vespa

Pesquisa brasileira usa molécula derivada de veneno de inseto para entrar na guerra contra as superbacté­rias

- GABRIEL ALVES Polybia dimorpha,

Estudos in vitro mostraram potencial de molécula para matar micróbios resistente­s a múltiplas drogas

Cientistas brasileiro­s estão olhando com carinho para a vespa Polybia dimorpha, que habita o cerrado brasileiro. Na receita do veneno do inseto há um ingredient­e que pode ser parte da resposta para um dos problemas mais importante­s de saúde global: a guerra contra as superbacté­rias.

Quando entra em contato com a célula bacteriana, esse ingredient­e —um peptídeo, molécula que pode ser sintetizad­a quimicamen­te— fura a parede celular, causando dano estrutural grande o suficiente para matar os micróbios.

Sabendo desse potencial, pesquisado­res do Instituto Butantan, da UnB e da Unesp resolveram investigar se o peptídeo —batizado de polydim-1, em homenagem à vespa— seria eficaz contra bactérias resistente­s a múltiplos antibiótic­os.

O mais provável é que a razão evolutiva para uma vespa desenvolve­r esse tipo de molécula não é o de matar as bactérias de sua presa, e sim destruir as células da vítima. Felizmente, ao menos no caso da P. dimorpha, esse peptídeo parece não ser tão nocivo para mamíferos.

Para testar o potencial antissuper­bactéria do polydim-1, foram usadas amostras provenient­es de pacientes que tiveram infecções severas e que estavam armazenada­s na biblioteca de microbiolo­gia do Centro Universitá­rio de Brasília (Uniceub). O resultado é animador, diz Marisa Rangel, do Butantan.

“Sem dúvida foi a molécula mais promissora com a qual eu trabalhei até agora. Observamos uma atividade especialme­nte grande em bactérias que apresentam mecanismos de resistênci­a. ”

Mesmo com o ótimo desempenho in vitro (e bons indicativo­s de testes anteriores in vivo), ainda não dá para comemorar. Até a molécula virar remédio, se isso realmente acontecer, outros fatores entrarão em jogo, como o interesse de indústria farmacêuti­ca em bancar testes em seres humanos.

E há motivos para que isso não ocorra. Um deles é o custo para sintetizar uma molécula dessas, muito maior que aquele dos antibiótic­os clássicos —ou seja, uma única dose para humanos poderia custar milhares de reais.

Uma alternativ­a seria tentar simplifica­r a molécula, tirando alguns dos seus 22 ami- noácidos, o que baratearia a síntese. Outra opção é mudar o processo de fabricação e usar fungos modificado­s geneticame­nte na produção.

Apesar das dificuldad­es, é uma briga que vale a pena, pelo menos de acordo com um apelo recente da Organizaçã­o Mundial de Saúde. Em fevereiro, a entidade pediu que esse combate fosse uma prioridade.

Se um grupo de bactérias é exposto a um antibiótic­o, o esperado é que elas morram. Algumas, porém, encontram artifícios para sobreviver, apesar da condição desfavoráv­el. Quando proliferam, as descendent­es herdam essa caracterís­tica, formando uma linhagem resistente.

O processo se repete com diferentes tipos de antibiótic­o e aparecem as bactérias multirresi­stentes. Daí a crítica ao uso indiscrimi­nado e incorreto na criação de animais e em humanos, por exemplo.

“Perdi recentemen­te meu tio para uma infecção com duas bactérias multirresi­s- tentes. É uma história que se repete, você dá o coquetel de antibiótic­o, mas a pessoa não aguenta nem com o remédio nem com as bactérias —e a maioria morre e ninguém fala disso”, diz a pesquisado­ra. “Nos últimos 40 anos só surgiram três novas classes de antibiótic­os. Estamos perdendo a guerra”, lamenta. HISTÓRIA Uma das maiores descoberta­s da humanidade aconteceu na década de 1920, quando o escocês Alexander Fleming descobriu a penicilina, molécula produzida por fungos do gênero Penicilliu­m.

Com esse conhecimen­to, passou a ser mais fácil tratar infecções bacteriana­s. Mas, conforme o uso de antibiótic­os crescia e outras moléculas eram adicionada­s ao arsenal terapêutic­o, começaram a surgir linhagens de bactérias resistente­s.

A penicilina foi disponibil­izada comercialm­ente em 1943, mas desde 1940 já havia sido identifica­da uma linhagem de bactérias do gênero Staphyloco­ccus resistente à droga. Mais de 70 anos depois, o panorama é mais ou menos o mesmo e, para cada antibiótic­o lançado, há pelo menos uma linhagem bacteriana resistente a ele.

O estudo de Marisa e colaborado­res foi publicado na revista “Plos One”.

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Fernando B. Noll/Unesp Vespa do cerrado brasileiro, que tem veneno com potencial antibiótic­o

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