Cientistas apostam em antibiótico de vespa
Pesquisa brasileira usa molécula derivada de veneno de inseto para entrar na guerra contra as superbactérias
Estudos in vitro mostraram potencial de molécula para matar micróbios resistentes a múltiplas drogas
Cientistas brasileiros estão olhando com carinho para a vespa Polybia dimorpha, que habita o cerrado brasileiro. Na receita do veneno do inseto há um ingrediente que pode ser parte da resposta para um dos problemas mais importantes de saúde global: a guerra contra as superbactérias.
Quando entra em contato com a célula bacteriana, esse ingrediente —um peptídeo, molécula que pode ser sintetizada quimicamente— fura a parede celular, causando dano estrutural grande o suficiente para matar os micróbios.
Sabendo desse potencial, pesquisadores do Instituto Butantan, da UnB e da Unesp resolveram investigar se o peptídeo —batizado de polydim-1, em homenagem à vespa— seria eficaz contra bactérias resistentes a múltiplos antibióticos.
O mais provável é que a razão evolutiva para uma vespa desenvolver esse tipo de molécula não é o de matar as bactérias de sua presa, e sim destruir as células da vítima. Felizmente, ao menos no caso da P. dimorpha, esse peptídeo parece não ser tão nocivo para mamíferos.
Para testar o potencial antissuperbactéria do polydim-1, foram usadas amostras provenientes de pacientes que tiveram infecções severas e que estavam armazenadas na biblioteca de microbiologia do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). O resultado é animador, diz Marisa Rangel, do Butantan.
“Sem dúvida foi a molécula mais promissora com a qual eu trabalhei até agora. Observamos uma atividade especialmente grande em bactérias que apresentam mecanismos de resistência. ”
Mesmo com o ótimo desempenho in vitro (e bons indicativos de testes anteriores in vivo), ainda não dá para comemorar. Até a molécula virar remédio, se isso realmente acontecer, outros fatores entrarão em jogo, como o interesse de indústria farmacêutica em bancar testes em seres humanos.
E há motivos para que isso não ocorra. Um deles é o custo para sintetizar uma molécula dessas, muito maior que aquele dos antibióticos clássicos —ou seja, uma única dose para humanos poderia custar milhares de reais.
Uma alternativa seria tentar simplificar a molécula, tirando alguns dos seus 22 ami- noácidos, o que baratearia a síntese. Outra opção é mudar o processo de fabricação e usar fungos modificados geneticamente na produção.
Apesar das dificuldades, é uma briga que vale a pena, pelo menos de acordo com um apelo recente da Organização Mundial de Saúde. Em fevereiro, a entidade pediu que esse combate fosse uma prioridade.
Se um grupo de bactérias é exposto a um antibiótico, o esperado é que elas morram. Algumas, porém, encontram artifícios para sobreviver, apesar da condição desfavorável. Quando proliferam, as descendentes herdam essa característica, formando uma linhagem resistente.
O processo se repete com diferentes tipos de antibiótico e aparecem as bactérias multirresistentes. Daí a crítica ao uso indiscriminado e incorreto na criação de animais e em humanos, por exemplo.
“Perdi recentemente meu tio para uma infecção com duas bactérias multirresis- tentes. É uma história que se repete, você dá o coquetel de antibiótico, mas a pessoa não aguenta nem com o remédio nem com as bactérias —e a maioria morre e ninguém fala disso”, diz a pesquisadora. “Nos últimos 40 anos só surgiram três novas classes de antibióticos. Estamos perdendo a guerra”, lamenta. HISTÓRIA Uma das maiores descobertas da humanidade aconteceu na década de 1920, quando o escocês Alexander Fleming descobriu a penicilina, molécula produzida por fungos do gênero Penicillium.
Com esse conhecimento, passou a ser mais fácil tratar infecções bacterianas. Mas, conforme o uso de antibióticos crescia e outras moléculas eram adicionadas ao arsenal terapêutico, começaram a surgir linhagens de bactérias resistentes.
A penicilina foi disponibilizada comercialmente em 1943, mas desde 1940 já havia sido identificada uma linhagem de bactérias do gênero Staphylococcus resistente à droga. Mais de 70 anos depois, o panorama é mais ou menos o mesmo e, para cada antibiótico lançado, há pelo menos uma linhagem bacteriana resistente a ele.
O estudo de Marisa e colaboradores foi publicado na revista “Plos One”.