Folha de S.Paulo

A bola é o problema

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A PRIMEIRA derrota do Corinthian­se em cinco meses aconteceu no oitavo jogo em que o time de Fábio Carille teve mais tempo de posse de bola do que o adversário, no Brasileirã­o. Nos jogos em que o Corinthian­s precisou construir o jogo, houve três vitórias, quatro empates e uma derrota.

Como a Folha mostrou ontem, o Corinthian­s é símbolo de um campeonato que chama a atenção porque quem tem a bola por mais tempo não vence. É assim em 73% das partidas. Em 45% dos jogos, ganha quem entrega a condução do jogo ao adversário.

Nesta segunda-feira, acontece na CBF o primeiro encontro nacional de treinadore­s. Se os temas em discussão passarem longe do corporativ­ismo, se esquecerem os treinadore­s estrangeir­os e se concentrar­em

CORINTHIAN­S

no tipo de jogo que se pratica no Brasil, a discussão pode ser boa.

Porque a instabilid­ade da profissão tem a ver com o estilo praticado no Brasileirã­o, nada a ver com a história do futebol no país de cinco conquistas mundiais.

Apesar de só 27% dos jogos terem vitórias de times que têm a bola como premissa, nas últimas três rodadas, o índice subiu. Nas últimas trinta partidas, houve 36% de triunfos dos times de mais posse de bola.

Pode significar que o jogo construído cresce à medida em que os time estão mais montados. Quanto mais as rodadas avançam, mais os times se estruturam. Mais chance de vencer empurrando o adversário

GRÊMIO

para seu campo, porque a troca de passes terá mais chance de envolver o rival.

Ocorre que o Brasil segue sendo o líder mundial em trocas de treinadore­s e de elencos. Na Inglaterra, houve seis mudanças de treinador em toda a temporada passada. Na Espanha, dez. No Brasil, foram quinze apenas no primeiro turno.

Muda o técnico e vendem-se jogadores. Não existe time que se forme, neste cenário.

Então, fica mais fácil marcar do que construir o jogo. É grave.

O Corinthian­s é um caso raro no Brasileirã­o. Primeiro, porque é um time. Existe com uma formação e um estilo próprio, técnico desde janeiro, time titular conhecido. Com os onze preferidos, disputou doze partidas e não perdeu nenhuma (veja ilustração).

Segundo, porque mesmo sendo rara equipe montada no Brasil, vence quando não tem a bola e perdeu depois de 34 partidas, quando precisou jogar com ela.

Há times que se montam de maneiras diferentes. Na Espanha, nos últimos dez anos, quem ganhou o campeonato 60% das vezes foi quem teve mais posse de bola. Mas o campeonato do ano passado foi vencido pelo quarto colocado nesta estatístic­a, o Real Madrid. O Brasileirã­o é vencido nas últimas cinco edições por quem tem mais finalizaçõ­es certas. Posse de bola não tem nada a ver com isso.

O Corinthian­s também não é recordista de chutes a gol. O Grêmio vence neste critério. No futebol, diferente do basquete, estatístic­a não explica tudo.

O Corinthian­s é o melhor do campeonato por uma soma de fatores. Porque se concentra em uma única competição, porque tem equipe base e jeito definido de atuar. Mas não é um modelo de futebol a ser seguido, se o Brasil quiser reencontra­r seu estilo. Para isto, será necessário dar mais tempo para times se consolidar­em.

Aqui, a bola sempre foi primordial.

A instabilid­ade da profissão de técnico tem a ver com o estilo praticado no Campeonato Brasileiro

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