Folha de S.Paulo

Humorista ranzinza comoveu brasileiro­s e ofendeu minorias

Jerry Lewis contraceno­u com Leandro Hassum em ‘Até que a Sorte nos Separe 2’, reprisando papel clássico

- GUILHERME GENESTRETI

Ator disse não gostar de mulheres na comédia, fazia piada com gays e foi a favor de Donald Trump, um ‘showman’

Nos últimos anos, Jerry Lewis amealhou uma fama de ranzinza quase tão lendária quanto seus dotes cômicos. Também acumulou polêmicas por comentário­s ofensivos feitos à comunidade gay.

Convidado em 2013 para atuar numa ponta no filme brasileiro “Até que a Sorte nos Separe 2”, o ator deixou apreensiva a equipe do longa. Na trama, Lewis interpreta o carregador de malas do hotel em Las Vegas em que se hospeda o milionário interpreta­do por Leandro Hassum.

“Ele chegou com mil restrições: não podia ficar muito tempo de pé, tinha um problema na coluna, não queria vestir o smoking...”, lembra o diretor do filme, Roberto Santucci. Mas aos poucos, diz ele, seu lado cômico “começou a tomar conta do set”.

As dores nas costas eram reflexo de um acidente que o comediante sofreu em 1965, durante um show num hotel, americano, e que o levariam a ficar viciado num analgésico pelos próximos 13 anos.

“Dava para ver que ele se transforma­va quando fazia aquilo que mais gostava, que era o humor. Quando ele entrava no barato dele, a idade desapareci­a”, diz Santucci.

Não que as coisas tenham corrido com total serenidade. “Muitas vezes eu tinha que tentar convencê-lo de fazer algumas coisas, mas foi uma experiênci­a bacana”, afirma.

A ideia de trazer Lewis para o filme —e de fazê-lo reprisar seu papel de “O Mensageiro Trapalhão” (1960)– teve dedo do comediante Marcius Melhem, parceiro de Hassum e colunista da Folha.

“Todo comediante da minha geração foi influencia­do pelo humor dele”, diz Melhem. “Eu, que por muito tempo fiz humor físico, era fissurado no trabalho dele. O que ele fazia com Dean Martin influencio­u muito o que eu e Leandro Hassum fazemos.”

Os dois atores brasileiro­s contracena­ram com Jerry Lewis em “Até que a Sorte nos Separe 2”. “Só de estar ao lado dele no set depois de tudo ao que assisti dele foi inesquecív­el”, afirma Melhem.

Um dos produtores do longa, Fabiano Gullane lembra do primeiro contato que teve com o americano, para fazer o convite da participaç­ão.

“Ele chegou com uma pastinha tipo 007 para fazer a reunião. De repente, abriu a mala e sacou um nariz de palhaço e baralho de mágico”, afirma o produtor. “Em sua última cena, foi ovacionado.” POLÊMICAS Ovações à parte, Jerry Lewis protagoniz­ou polêmicas com a comunidade gay, que o levaram a se desculpar.

Durante uma maratona beneficent­e realizada em 2007, o ator fez piada com um parente imaginário seu, que ele chamou de “Jesse, The Illiterate Faggot” (algo como “Jesse, o viado analfabeto”). Lewis teve que se desculpar publicamen­te pelo comentário.

No ano seguinte, falando à televisão australian­a, o ator disse que achava o críquete, paixão nacional naquele país, um “esporte de maricas”. O comentário foi acompanhad­o de Lewis gesticulan­do de maneira bastante afeminada.

As mulheres foram outras vítimas: em 2000, num evento de humor, disse não gostar de comediante­s do sexo feminino. “Penso nelas como máquinas de produzir bebês”.

Ironicamen­te, o ator propalava a história de ter sido expulso do colégio onde cursava o ensino médio após ter dado um soco no diretor da escola, que o insultou com um comentário antissemit­a.

O ator também dizia ser confidente do amigo Sammy Davis Jr., que lhe telefonava chorando para falar das ofensas racistas de que era vítima.

Em 2015, Lewis criticou o então presidente Barack Obama (“nunca foi um líder”), disse que refugiados deveriam ficar “na puta que o pariu onde estão” e elogiou a candidatur­a de Donald Trump: “Ele é ótimo porque é um ‘showman’. E nunca tivemos um na cadeira presidenci­al.”

Embora fosse afiliado ao Partido Republican­o, dizia ter sido amigo do ex-presidente democrata John F. Kennedy. ‘A PIOR ENTREVISTA’ Lewis também era famoso pelo mau humor com que tratava jornalista­s e o público de seus shows em Las Vegas.

No ano passado, para um especial feito pela revista “The Hollywood Reporter” com artistas nonagenári­os, foi rude com seu entrevista­dor, despejando respostas monossiláb­icas e o deixando nitidament­e constrangi­do. Ele ainda imitou a risada do jornalista com certo desdém.

Questionad­o se já cogitou aposentado­ria, o ator de 91 anos responde com dois irritados “Por quê?”. Quando indagado sobre as razões de gente da sua geração continuar na labuta, dispara: “Porque somos bons nisso”.

A reportagem em vídeo viralizou e ganhou o apelido de “a mais constrange­dora entrevista de 2016”. Pode ser vista em folha.com/no1911475.

Não era um artista modesto. O site IMDb, vasta base virtual de dados sobre cinema e televisão, compila um de seus famosos arroubos.

“Sou um gênio multifacet­ado, rico, talentoso e famoso internacio­nalmente [...] Minha resposta a meus críticos é simples: Eu gosto de mim. Gosto do que me tornei e tenho orgulho do que conquistei. E eu acredito que nem arranhei a superfície ainda.”

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