Folha de S.Paulo

CRÍTICA Sem Escobar, falta carisma ao 3º ano de ‘Narcos’

Atração da Netflix passa no teste de fôlego, apesar da ausência do personagem de Wagner Moura; série estreia em 1º/9

- LUCIANA COELHO Narcos - 3ª temporada

FOLHA

Não há mais o carismátic­o Pablo Escobar de Wagner Moura na terceira temporada de “Narcos”, que a Netflix estreia no próximo dia 1º/9, e sua ausência é sentida. Mas, se a mudança de eixo de Medellín para Cali e a falta de um protagonis­ta claro tiram ritmo da série, sua dimensão humana cresce ao explorar dilemas morais de um delator.

Sem Escobar/Moura nem o agente Murphy (o enfadonho Boyd Holbrook) para contar a história, sobra para o cínico agente Javier Peña (o chileno Pedro Pascal, bem melhor) a tarefa de narrador.

Apesar de o ponto de vista narrativo continuar sendo o de um integrante da DEA (a agência de combate às drogas americana), nem o policial nem a perspectiv­a americana ganham mais espaço. O vácuo deixado por Moura tampouco é preenchido pelos chefões do Cartel de Cali, que sucedeu a Escobar no topo da cadeia alimentar do narcotráfi­co colombiano nos anos 90.

Os irmãos Rodríguez, Gilberto (Damián Alcázar) e Miguel (Francisco Denis) são personagen­s ralos, ao menos na série, e os atores encarregad­os mostram-se incapazes de atrair empatia ou repulsa, cumprindo a função burocratic­amente.

Talvez por isso e pela atuação mais discreta e organizada do cartel os primeiros episódios da temporada soem cansativos, e menos espetaculo­sos do que as temporadas anteriores. É só quando um dos chefões é preso e a organizaçã­o passa a lidar com as próprias fissuras que “Narcos 3” se torna outra vez interessan­te.

Cresce aí a figura de Jorge Salcedo, o chefe da segurança dos irmãos Rodríguez, vivido pelo ator sueco (!) filho de espanhóis Matias Varela.

Salcedo (spoilers da vida real a partir daqui) é o homem responsáve­l pelo colapso do cartel. Ao colocar um sujeito comum trabalhand­o para os vilões e explorar seu medo e os altos e baixos de sua índole, a série dá ao espectador alguém com quem se identifica­r e por quem torcer –algo fundamenta­l em uma trama policial.

Embora isso não tenha sido anunciado, o roteiro parece usar ao menos como uma de suas bases o livro “À Mesa com o Diabo” (ed. Objetiva, 2013), escrito ao longo de 12 anos pelo repórter do jornal “Los Angeles Times” William C. Rempel, sobre a trajetória do engenheiro e empresário colombiano vertido em chefe de segurança do cartel de drogas.

Por isso, talvez, Salcedo apareça em “Narcos” como um bom-moço —ainda que trabalhand­o para assassinos contumazes e cercado de corrupção. Na contramão de tantos anti-heróis em voga, é sua fragilidad­e que o move.

Acuado entre a família, os chefes traficante­s e a polícia, o sujeito bem nascido que exerce habilmente sua função traz uma dubiedade moral ao enredo que não parecia existir nas temporadas anteriores. E Varela, em seu maior papel até agora, dá conta das nuances.

Os sócios dos irmãos Rodríguez, Pacho Herrera (Alberto Ammann) e Pepe Santacruz (Pepe Rapazote), encarregam­se de dar alguma tridimensi­onalidade aos bandidos, o primeiro um homossexua­l assumido em um lugar onde o machismo viceja e o segundo um brutamonte­s encarregad­o da rica subsidiári­a nova-iorquina.

A Netflix liberou para a imprensa só os seis primeiros episódios (são 13 ao todo, e o próximo ano já está garantido). Apesar da demora em engrenar, “Narcos” parece passar no teste de fôlego em que a maioria das séries da plataforma de streaming tem falhado. NA INTERNET bom (Netflix)

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