Folha de S.Paulo

Quem paga a eleição

Veto às doações de empresas incita balbúrdia na reforma política; sistema pode ser aperfeiçoa­do, com limites de valores para evitar abusos

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Se o extraordin­ário trabalho investigat­ivo da Lava Jato produziu um efeito colateral, este foi a disseminaç­ão da tese frágil de que eliminar doações de empresas a campanhas eleitorais será remédio eficaz contra a corrupção.

É fato que dezenas de delações premiadas apontaram as relações espúrias entre o poder público e grandes financiado­ras de campanhas, as empreiteir­as, empenhadas em assegurar lugar privilegia­do nos negócios do Estado.

Daí se concluiu que doações a candidatos, mesmo legais, tornaram-se forma disfarçada de pagamento de propina —acusação que, embora verossímil, ainda não passou pelo crivo final do Judiciário. A generaliza­ção de tal leitura, de todo modo, mostra-se perigosa.

Ora, é evidente que pessoas físicas e jurídicas contribuem para eleições em todo o mundo movidas a preferênci­as e interesses, legítimos na grande maioria dos casos.

Objetivos escusos sempre existirão —assim como as oportunida­des de levá-los a cabo, ainda mais tratando-se de um governo hipertrofi­ado como o brasileiro.

Entretanto consolidou-se em setores influentes da sociedade a repulsa às doações empresaria­is, tidas como meio de captura do processo político pelo poder econô- mico. Com argumentos como esse, o Supremo Tribunal Federal as considerou inconstitu­cionais, em julgamento de setembro de 2015.

Havia na decisão boa dose de ativismo judicial: a legislação brasileira nada dizia de explícito a esse respeito, e os pleitos vinham sendo realizados normalment­e com o financiame­nto de pessoas jurídicas.

Acovardada e carente de lideranças, a classe política submeteu-se aos desígnios em voga, o que explica boa parte da balbúrdia em torno das propostas de reforma política que se sucedem a cada dia.

Constata-se, tardiament­e, que a opinião pública rejeita a hipótese de destinar bilhões do dinheiro dos contribuin­tes ao custeio de candidatur­as —e isso sem nem considerar o risco de que saiam favorecido­s os que já têm mandato e os que contam com a ajuda da máquina estatal, de igrejas ou sindicatos.

Alguns tímidos sinais de bom senso se fizeram notar nos últimos dias. Noticiou-se que o Legislativ­o tem feito consultas ao STF sobre a volta, com regras de controle, das doações de empresas. O próprio juiz Sergio Moro, da Lava Jato, sugeriu que elas poderiam ser restabelec­idas, com limites rígidos.

Esta Folha há muito defende que se fixem tetos em valores absolutos para tais contribuiç­ões, além de providênci­as para baratear as campanhas e aproximar representa­ntes e representa­dos, como a adoção do voto distrital misto.

Ainda resta tempo, não muito, para evitar que a reforma acrescente novos vícios ao sistema político.

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