Folha de S.Paulo

Aprendiz de feiticeiro

-

SÃO PAULO - Desde a manhã de seu primeiro dia como prefeito, João Doria adota figurinos. Ciente de que a população teria dificuldad­es de engolir o gestor da campanha eleitoral em visual Jardim Europa ou, pior, o confundiri­a com os políticos, resolveu abrir o guarda-roupa. Não o seu, mas o que achou na administra­ção municipal. Da gaveta mais baixa, tirou o uniforme de gari, perfeito para transferir a magia acumulada do candidato ao eleito.

Esta Folha traduziu bem o fenômeno, aos cem dias de governo, com reportagem ilustrada por um kit bem-humorado de roupinhas para o boneco prefeito. Entre tantas, a de presidente da República, com faixa e tudo. Não havia, no entanto, a de candidato, que o prefeito voltou a vestir desde a semana passada.

Doria, o não político que melhor usou esse falso paradigma em 2016, parece cada vez mais um político tradiciona­l. Quem mais estaria neste momento desbravand­o o Nordeste, levando ovada e se tornando cida- dão por decreto das vereanças visitadas? Lula? Bolsonaro?

Doria é o não político que mais lembra antigos prefeitos de São Paulo. O apreço à zeladoria remete a Jânio Quadros, que assumiu, não vestido de gari, mas desinfetan­do a cadeira de prefeito usada pelo rival “Henrique Cardoso” na campanha de 1985. Também sob uma crise braba, Jânio obteve grande efeito apenas limpando a cidade suja.

Dormir tarde e acordar cedo foi um dia marca registrada de Paulo Maluf, que dizia ainda tocar piano às três da madrugada. Também notívago, José Serra nunca acordava.

Maluf também primeiro prometeu plantar “um milhão de árvores”. Inundou ruas e avenidas com mudas que mal paravam em pé, assim como seus invólucros brancos, talvez a maior contribuiç­ão oficial para o lixo na história da cidade.

Doria só seria um não político se não fosse, como antecessor­es, candidato. A roupa de prefeito, há décadas, resta esquecida no armário.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil