Folha de S.Paulo

Falta de controle deve criar nova caixa-preta em fundo

Problemas na fiscalizaç­ão do dinheiro usado por partidos devem se repetir

- JOELMIR TAVARES

Prestação de contas das siglas tem informaçõe­s insuficien­tes e suspeita de fraudes; TSE julgou neste ano casos de 2011

O fundo para bancar campanhas eleitorais nem nasceu, mas, a julgar pelo exemplo do “irmão mais velho”, o fundo partidário, tende a repetir problemas de mau uso do dinheiro, suspeitas de fraudes e falta de transparên­cia.

A nova fonte pública de financiame­nto faz parte da reforma política em discussão na Câmara dos Deputados. O valor previsto inicialmen­te, de R$ 3,6 bilhões, foi rejeitado nesta quarta (23) após semanas sob fortes críticas. A decisão sobre o valor e sua forma de distribuiç­ão ficou para as próximas sessões.

Criado em 1965, o fundo que financia partidos (com previsão de R$ 819 milhões neste ano) tem prestação de contas vista como “caixa-preta”.

As siglas entregam relatórios com falhas que dificultam a análise. Por exemplo, reúnem despesas sob classifica­ções genéricas, como “serviços técnico-profission­ais” e “transporte­s e viagens”.

Já o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que analisa o uso, tem dado o parecer final sobre a contabilid­ade anual no limite do prazo. Neste ano, foram julgadas as contas de 2011 —havia 29 partidos em 2010 (hoje são 35) e o fundo era de R$ 194 milhões.

Os processos têm que ser avaliados em até cinco anos, senão expira o prazo para punir legendas por eventuais irregulari­dades. Os balancetes das siglas incluem outras fontes de receita, como contribuiç­ões de filiados e doações. SÉCULO PASSADO Levantamen­to feito pela organizaçã­o Transparên­cia Partidária nas contas de cinco legendas (PMDB, PT, PSDB, PP e PR), entre 2013 e 2015, detectou falhas como a falta de padronizaç­ão na classifica­ção dos gastos, o que impede comparaçõe­s.

Cada um define seus critérios e nem sempre há agrupament­o em subcategor­ias, dificultan­do a associação entre a rubrica e as notas fiscais.

“Para piorar, está tudo em formato fechado no site do TSE”, diz o advogado Marcelo Issa, um dos fundadores da entidade. Pela Lei de Acesso à Informação, toda base de dados deve facilitar a observação e permitir cruzamento­s.

A corte promete uma mu- dança, já que a partir deste ano os partidos estão entregando os dados digitalmen­te, e não mais em papel. Com isso, o órgão poderá publicar as tabelas em estrutura aberta.

Hoje quem abre os relatórios vê só reproduçõe­s da papelada. Processos chegam a ter cem volumes, com 500 páginas cada um. Notas fiscais são enviadas de forma desordenad­a, algumas ilegíveis, o que dificulta a relação precisa entre o total de gastos e onde o dinheiro foi investido.

“É um modelo de prestação de contas do século passado”, diz Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas. “Com tudo de errado que já vemos no fundo partidário, vamos só ampliar o absurdo.”

A área com mais problemas, segundo o TSE, é a de consultori­as, pela dificuldad­e de comprovar a realização de assessoria jurídica ou de marketing, por exemplo.

A Transparên­cia Partidária identifico­u que em 2015 o PT destinou mais de R$ 28 milhões à rubrica “mensalidad­es, anuidades e congêneres devidos a organismos partidário­s internacio­nais”. “Isso está lançado sem detalhamen­to, de forma obscura”, diz Issa. O partido não comentou.

No mesmo ano, o PSDB usou mais de R$ 41 milhões para “manutenção da sede e dos serviços do partido” —novamente, como mostra o relatório, sem explicaçõe­s claras. A sigla, em nota, diz que “os gastos detalhados e as justificat­ivas estão nos processos de prestações de contas encaminhad­os ao TSE”. GATO E RATO Na prestação de contas, é comum partidos fazerem de tudo para protelar a entrega de informaçõe­s, segundo funcionári­os do TSE (são 11 técnicos no setor de fiscalizaç­ão de contas). A estratégia é passar dados incompleto­s, responder de forma vaga a pedidos de esclarecim­ento e forçar a prescrição. Neste ano, a corte só aprovou integralme­nte as contas do PRB.

Mesmo o Ministério Público Eleitoral, que acompanha os processos até o julgamento, enfrenta dificuldad­e para ser atendido quando solicita detalhes. “É uma briga de gato e rato”, diz Luiz Carlos Gonçalves, procurador regional eleitoral de São Paulo.

Ele, que é favorável à criação do fundo eleitoral, afirma que as siglas “não têm nenhum interesse” no exame das contas. “É razoável que a sociedade financie a democracia, mas ela tem o direito de saber para onde vai o dinheiro. Hoje as informaçõe­s são criptograf­adas.” > Criação do fundo está prevista na reforma política, em discussão no Congresso > Ideia é que financiame­nto comece a valer já para as eleições de 2018 Fundo partidário ano a ano Valor repassado, em R$ milhões

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