Folha de S.Paulo

A revolução de Dilma e Temer

- VINICIUS TORRES FREIRE

A ASSOCIAÇÃO de Dilma Rousseff com Michel Temer pode resultar em uma revolução do lugar do governo na economia brasileira. A ex-presidente começou a obra de desmonte do Estado, que entrou em outra fase importante nesta semana, com o pacote de privatizaç­ões de seu sucessor em impopulari­dade.

Não é preciso lembrar que revoluções podem produzir apenas ruínas e que a mudança ainda é uma obra superfatur­ada em andamento. Ainda assim, mesmo este país prostrado e abúlico deveria prestar atenção no que se passa.

Dilma arruinou as contas públicas e as estatais, um tanto como a ditadura militar em sua fase final. Depois dela, vieram o dilúvio da dívida e a seca de recursos estatais, que deverá durar uma década.

Dilma desmoraliz­ou o que se chama de ideias de esquerda em economia. Por assim dizer, a grande obra da ex-presidente foi construir a “Ponte para o Futuro” (o nome do programa da coalizão que a depôs). O bloco liberal apenas atravessa o rio, em apoteose.

Temer criou um programa constituci­onal de redução de gastos do governo federal. Retirou parte importante das relações trabalhist­as da custódia do Estado. Lançou um plano de privatizaç­ão de quase todo o resto da infraestru­tura estatal.

Na lei e na marra, vai diminuindo o crédito dos bancos estatais. O fim dos subsídios via BNDES e a diminuição do balanço do banco são apenas um passo. O próximo, planejado nas internas, é acabar com os subsídios Ruína econômica e ideológica deixada por Dilma pode causar reviravolt­a inédita do papel do Estado ao setor rural embutidos no crédito estatal (a ideia é que os subsídios sejam concedidos via Orçamento, que está à míngua, no entanto).

Todas essas ambições de elegância liberal podem chafurdar na lama grossa que são o governo e sua coalizão. O teto de gastos pode cair logo, sem reforma da Previdênci­a. A reforma trabalhist­a pode parar na Justiça (sic) assim que começar a ser aplicada e causar revoltas e algumas exploraçõe­s.

A redução forçada do investimen­to público, por falta de meios e devido ao programa teórico dos economista­s do governo, vai dar em besteira caso não se inventem as condições que incentivam o investimen­to privado. Para ficar em um exemplo tópico, ontem o governo voltou a falar na criação de um mercado de debêntures, como o fez em setembro do ano passado, quando lançou o programa Crescer. Nisso e em muito mais está tudo por fazer.

A privatizaç­ão e as novas regras do setor elétrico são problemas enroladíss­imos e graves, embora exista gente capaz na equipe econômica e elétrica para tocá-las. O problema não está bem aí, como em quase toda parte do programa do governo que tem boa-fé.

A “base aliada” já quer sabotar a privatizaç­ão da Eletrobras (políticos de Minas e do Nordeste querem manter os feudos de Furnas e da Chesf). Está à beira de enterrar a reforma previdenci­ária. Parte do Planalto e sua “base”, enfim, este governo “semiparlam­entarista”, estão doidos para estourar ainda mais o Orçamento, como se viu na revisão das metas fiscais.

Em resumo, estamos à beira de uma reviravolt­a. Pode haver um Estado diminuído, com oferta privatizad­a e talvez mais eficaz de serviços públicos, mas ainda um Estado imensament­e quebrado. Mas, como todas as reformas ainda podem ir à breca, pode restar apenas desordem na falência. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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