Desafios ignorados
O MINISTÉRIO de Minas e Energia (MME) informou na segunda-feira (21) que vai propor ao Conselho do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do governo federal a redução da participação da União no capital da Eletrobras, no que chamou de “democratização” da empresa na Bolsa de Valores.
Analistas passaram a interpretar a alta no preço das ações da empresa que se seguiu à divulgação da nota do MME como evidência de que a privatização trará enormes ganhos de eficiência ao setor elétrico.
Esse tipo de interpretação ignora não apenas a falta de fundamentos reais na imensa maioria dos movimentos nos preços de ações no mercado financeiro —que essencialmente refletem as expectativas sobre o que farão os demais agentes— mas sobretudo os desafios enfrentados pelo setor elétrico no Brasil e no mundo no século 21.
Parece haver consenso entre pesquisadores da área de que a medida provisória 579, editada em setembro de 2012 para reduzir o custo de energia elétrica para o setor industrial e defendida publicamente pelo atual secretário-executivo do MME em artigo no jornal “Valor Econômico” de 26/11/2012, causou enormes prejuízos ao setor.
Se os problemas de balanço da Eletrobras não decorrem de sua “ineficiência”, não está nada claro como a privatização garantiria lucros aos novos controladores do setor privado sem elevar as tarifas para o consumidor final. Em Portugal, um dos países citados na nota do MME como “modelo de êxito” para a “nova Eletrobras”, as tarifas aumentaram 44,3% entre 2010 e 2015, ante um aumento de 24,6% na média da União Europeia.
Diferentemente do que a nota do MME sugere, não se trata de uma privatização “a exemplo do que foi feito com Embraer e Vale”. Aos objetivos —próprios ao setor— de garantir a segurança energética sem elevar em demasiado as tarifas de um bem que é essencial para a população, acrescentou-se na última década a necessidade de transição para uma matriz energética sustentável por meio da introdução de energias renováveis.
Diante desse novo desafio, a insuficiência da atuação do órgão regulador sobre as tarifas e o grau de competição dos mercados, tal como estabelecido nos modelos de privatização dos anos 1990, ficou evidente nas discussões que envolveram a reforma mais recente do setor no Reino Unido. Ainda que não seja possível, hoje, identificar um modelo de setor elétrico a ser seguido, o papelchave do Estado na coordenação da transição para as energias renováveis está cada vez mais consolidado.
No caso brasileiro, o esgotamento da base de recursos hidráulicos e as limitações ambientais e sociais para a construção de reservatórios também exigem mudanças.
Dada a vantagem que temos na geração de energia eólica e, sobretudo, na capacidade de estocagem de energias renováveis proporcionada por nossos reservatórios de água, temos a oportunidade de realizar essa transição de forma relativamente menos custosa. Fragmentar o controle desses reservatórios e submetê-los à lógica privada pode aumentar muito os custos dessa mudança e até mesmo inviabilizá-la.
Por tratar-se essencialmente de um truque fiscal para elevar um pouco as receitas do governo no curtíssimo prazo em meio à interdição ao aumento de impostos e aos deficit crescentes, a privatização proposta não oferece resposta alguma aos desafios que vêm mobilizando especialistas no Brasil e no mundo. E o que é pior, a ideologia rasa que domina o debate vem impedindo até mesmo que se cobre do governo uma discussão mais aprofundada. LAURA CARVALHO,
A privatização da Eletrobras é um truque fiscal para elevar um pouco as receitas do governo no curtíssimo prazo