Folha de S.Paulo

Centenária, fábrica de berrantes em SP sobrevive ao ‘sumiço’ de chifres

Empresa familiar continua, na zona leste da capital, produzindo e vendendo instrument­o artesanal que é símbolo do mundo caipira

- MARCELO TOLEDO

DE RIBEIRÃO PRETO

O cenário já se repete há 104 anos, mas está cada vez mais difícil. Em uma pequena fábrica artesanal, nascem diariament­e instrument­os que por décadas serviram para tocar boiada nos estradões do país e são um dos ícones do mundo caipira.

O objetivo de quem os compra hoje em dia, em sua maioria, é usar como decoração, mas ainda há quem o utilize no cotidiano do campo. De um jeito ou de outro, os berrantes se tornaram fonte de renda para a família Malaquias, que desde 1913 fabrica o produto no Itaim Paulista, na capital.

Mas as mudanças ocorridas nas últimas décadas influencia­ram diretament­e o dia a dia de Marciel Malaquias, 57, que hoje toca a produção com uma filha. O negócio começou com seu avô e já foi levado também por seu pai.

Raças de gado antes comuns foram sendo gradativam­ente substituíd­as por outras em que os chifres, matéria-prima dos berrantes, são menos aparentes. Além disso, Malaquias disse que o abate dos animais ocorre mais cedo que antigament­e, o que também impede o cresciment­o dos chifres.

“O berrante é o símbolo maior do campo. O sitiante, do interior, compra muito até mesmo para decoração. Às vezes nem tanto para tocar, mas para se recordar do passado”, afirmou Malaquias.

Os berrantes custam a partir de R$ 270, mas há exemplares que passam dos R$ 1.000. Para fabricar cada um, são necessário­s cinco chifres, cujo quilo custa R$ 2 para Malaquias. NELORE Se o preço é baixo, difícil é encontrá-los. “Quando meu avô trabalhava com isso, nem comprava, ele ganhava, de tanto que havia. Mas hoje está acabando. Antes havia muito gado caracu, que tinha chifre grande, mas hoje é quase tudo nelore”, disse.

Há outras fábricas espalhadas no país, como a de Natalino Mateus Fernandes, 63, de Araçatuba, que tem mais de 80 anos. Assim como a de Malaquias, a produção é totalmente artesanal e começou com o pai de Fernandes.

“Aprendi com meu pai e herdei esse gosto. É um negocinho que fazemos nas horas de folga. Quando consigo, paro e faço dois ou três”, disse.

E, mesmo com o fim das comitivas que transporta­vam boiadas no estradão e a urbanizaçã­o cada vez maior das cidades, ainda há espaço para berranteir­os?

Sim, na avaliação de Alceu Garcia, 69, um dos coordena- dores, ao lado do irmão, Armando, do concurso de berrante realizado na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos.

“Desde 1957 temos o concurso e temos de fazer seleção para os concorrent­es, pois há muitos. O concurso terá 20 participan­tes, de Estados como Bahia, Mato Grosso, Tocantins e Pará. Se quiséssemo­s colocar 50, ainda sobraria espaço. Mas preferimos os que eram peões mesmo, que viviam no estradão”, disse.

No concurso, o competidor precisa fazer os cinco toques utilizados pelas comitivas, que incluem a saída do ponto de pouso, o sinal de perigo e o aviso de que a Queima do Alho —comida típica dos peões, composta por arroz carreteiro, feijão gordo, paçoca de carne e churrasco, feita num fogão improvisad­o— está pronta para ser servida.

A festa de Barretos, a mais tradiciona­l do gênero no país, está em sua 62ª edição e será realizada até o próximo dia 27 no Parque do Peão.

A festa ocorre em meio a uma onda crescente de acusações de entidades de proteção de supostos maus-tratos aos animais usados nos rodeios. Para elas, os touros sofrem tortura devido ao uso do sedém (corda de lã presa nos animais antes das montarias) e também são vítimas de choques antes das montarias e de estresse devido ao barulho e à luminosida­de das arenas.

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