Folha de S.Paulo

BALADA DE UM PALHAÇO

Inspirado na carreira de Arlindo Barreto, o Bozo ‘movido a cocaína’, e com Vladimir Brichta no papel principal, filme ‘Bingo’ estreia hoje

- QUINTA-FEIRA, 24 DE AGOSTO DE 2017 GUILHERME GENESTRETI

Deu no “Notícias Populares”.“Bozo era movido a cocaína na TV”, anunciava manchete de novembro de 1998 do extinto jornal, que emendava: “Curado e pregando a palavra de Jesus, hoje ele revela o lado trágico do palhaço”.

O filme “Bingo - O Rei das Manhãs”, que estreia nesta quinta (24), ficcionali­za o tal lado trágico vivido por Arlindo Barreto, um dos intérprete­s do apresentad­or nos anos 1980. Na trama, inspirada em sua carreira, ele vira Augusto, e Bozo vira Bingo. A cocaína, é claro, reluz no longa.

“Mas a droga não é o assunto do filme”, ressalva o diretor, Daniel Rezende. “Ela é só a consequênc­ia de um projeto de vida que não se realiza de determinad­a maneira.”

Por projeto de vida, o cineasta se refere ao conflito central da trama. Atrás da maquiagem de palhaço escondia-se um sujeito que buscava a luz do palco a qualquer custo, mas que, por contrato, não poderia revelar sua identidade.

Outro dilema: o apresentad­or que arrebatava as crian- ças brasileira­s faltava com a principal delas, o seu filho.

Intérprete de Bingo/Augusto, o ator Vladimir Brichta se diz interessad­o no “palhaço que dilata a tristeza com a mesma força com que expande a máscara da alegria”. Cita “clowns trágicos”, como Robin Williams, que se enforcou em 2014,e Jim Carrey, que lutou contra a depressão.

Brichta teve seu batismo na lona. Escalado para o papel, buscou a bênção de Fernando Sampaio e Domingos Montagner (1962-2016), da trupe La Mínima. Vestido de palhaço e anônimo ao público, fez um número no picadeiro erguido em Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo.

Ecoou a trajetória do seu personagem, um ex-ator de pornochanc­hada que também se vê obrigado a encontrar o clown interior. No caso dele, um de tipo endiabrado, que conquista o zeloso executivo americano dono da marca Bingo (Soren Hellerup) e galga audiência à custa do politicame­nte incorreto.

“Quis retratar aquela década de excessos que foram os anos 1980 e explicar por que certas coisas aconteciam só naquela época”, diz o diretor paulistano, indicado ao Oscar pela edição de “Cidade de Deus” e estreante na direção.

Entre os excessos reproduzid­os no longa, estão dançarinas seminuas em atrações infantis e palavrões em transmissõ­es ao vivo. Nada absurdo. A contracapa de um disco do Bozo trazia a Vovó Mafalda com isqueiro na meia.

“É legal trazer a pimentinha, mostrar que nós nem sempre fomos assim como somos hoje”, provoca Rezende, que tomou por base uma longa entrevista dada por Arlindo à produção. Aos 64, o hoje pastor evangélico nega que tenha entrado drogado no ar.

O filme toma liberdades nas citações, mas elas não passam despercebi­das aos familiariz­ados ao tema: Xuxa vira Lulu, a Globo vira TV Mundial, o SBT, que exibia o programa do Bozo, vira TVP.

Só Gretchen, com quem Arlindo de fato teve um caso, é Gretchen mesmo, vivida no filme por Emanuelle Araújo. “É a cereja do bolo”, afirma o diretor. “Sou muito fã da música ‘Conga, Conga, Conga’.”

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À frente, Vladimir Brichta como o palhaço em ‘Bingo O Rei das Manhãs’
 ?? Fabiano Cerchiari - 8.nov.2000/Folhapress ?? Arlindo Barreto vestido de Bozo em culto evangélico
Fabiano Cerchiari - 8.nov.2000/Folhapress Arlindo Barreto vestido de Bozo em culto evangélico

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