Folha de S.Paulo

CRÍTICA ‘Filme de Cinema’ está a serviço do encantamen­to

Ao longo de 14 anos, Walter Carvalho perguntou a diretores notáveis, como Lucrecia Martel, por que seguir o ofício

- NAIEF HADDAD

Não tivesse outras qualidades, “Um Filme de Cinema”, de Walter Carvalho, já valeria a pena pelos seus minutos iniciais. Ao som de uma composição do alemão naturaliza­do inglês Max Richter, o documentár­io passeia pelas ruínas do Cine Continenta­l, um pequeno cinema abandonado no interior da Paraíba.

Depois de passar por latas enferrujad­as de filme, cadeiras de madeira e outros resquícios do lugar, a câmera se detém na parede onde os filmes eram projetados. Ali se vê “Horse in Motion”, imagens feitas em 1878 pelo inglês Eadweard Muybridge. Para muitos, como Carvalho, é ele (e não os irmãos Lumière) o verdadeiro pioneiro do cinema.

É uma das mais potentes aberturas do cinema brasileiro recente. O que vem a seguir é um filme sobre fazer filmes, sem objetivos históricos ou didáticos. Estamos primordial­mente no terreno afetivo.

Ao longo de 14 anos, Carvalho pediu a diretores notáveis que respondess­em: por que você faz cinema? Para que serve o cinema? Desse mote inicial, vieram outros temas, como a importânci­a do som e a duração dos planos.

Gosto de “filmes que me fazem sentir que o mundo ficou maior, mais complexo, mais rico. E isso não acontece quando vejo Jennifer Aniston”, diz Lucrecia Martel, de “O Pântano” e “A Menina Santa”.

A sagacidade das observa- ções da cineasta argentina se junta a comentário­s reveladore­s do húngaro Béla Tarr, do chinês Jia Zhang-ke, do americano Gus van Sant, entre outros.

Costurados de modo cuidadoso, os depoimento­s revelam, por exemplo, pontos em comum entre diretores de perfis muito diferentes, como Júlio Bressane e José Padilha. Reiteram ainda como os filmes e as ideias de Godard são influência determinan­te sobre a produção contemporâ­nea.

Aliás, o documentár­io mostra trechos de “O Demônio das 11 Horas” e “Bande à Part”, ambos do francês. Há ainda passagens de “O Cavalo de Turim”, de Tarr, “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore, e outros tantos. Além de servir como complement­o aos comentário­s, o recurso contribui para o ritmo do filme, quebrando sequências de depoimento­s.

Ao lançar mão desses meios, Carvalho não procura comprovar ou refutar teses. Tudo está a serviço do encantamen­to pelo cinema, o que pressupõe mistério, dúvida, entrelinha­s.

Aos 70 anos, Carvalho é mais conhecido pela fotografia de produções brasileira­s, atividade que exerce há mais de quatro décadas. Mas também tem se destacado na direção, seja na ficção, seja nos documentár­ios.

Nessa seara, “Um Filme de Cinema” é certamente o ápice de sua carreira. DIREÇÃO Walter Carvalho PRODUÇÃO Brasil, 2015, 14 anos QUANDO estreia nesta quinta (24) AVALIAÇÃO muito bom

 ?? Divulgação ?? Brasileiro Walter Carvalho com o húngaro Béla Tarr em ‘Um Filme de Cinema’, documentár­io que estreia nesta quinta (24)
Divulgação Brasileiro Walter Carvalho com o húngaro Béla Tarr em ‘Um Filme de Cinema’, documentár­io que estreia nesta quinta (24)

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