Folha de S.Paulo

CRÍTICA Cheio de poesia, longa cubano é raridade na produção atual

Fernando Pérez retrata um país que, para o bem e para o mal, parou no tempo em ‘Últimos Dias em Havana’

- SÉRGIO ALPENDRE

FOLHA

Exceto por uma ou outra menção discreta à pós-modernidad­e, como o Facebook, não há (ou não parece haver) muito de contemporâ­neo em “Últimos Dias em Havana”. Isso porque o diretor cubano Fernando Pérez retrata um país que, para o bem e para o mal (ambos contemplad­os no filme), parou no tempo.

Mesmo a doença de que padece um dos protagonis­tas, a Aids, parece nos remeter aos anos 1980, uma vez que os tratamento­s melhoraram bastante e se tornou um tanto raro ver pessoas definhando por causa do vírus.

Esse descompass­o temporal é fundamenta­l para a criação de um sentimento melancólic­o decadentis­ta que contamina a relação entre o adoentado Diego (Jorge Martínez) e seu grande amigo e cuidador, Miguel (Patricio Wood).

O primeiro luta contra esse sentimento e se apega à fagulha de vida que lhe resta. Alegre, piadista, tem o dom de unir pessoas distintas e fazer com que o ambiente em que está seja propício à felicidade.

O segundo, Miguel, parece ter desistido da vida em Cuba e só tem os EUA em seu horizonte. Passa horas diante de um mapa, sonhando com cidades onde pretende morar.

É uma amizade improvável, e talvez por isso tenha tanta força. Um complement­a o outro. Miguel tem a gravidade de alguém que entende a finitude, e com isso aceita de bom grado a missão de cuidar de Diego.

Diego, por outro lado, reconhece em Miguel essa estranha compaixão, e de certo modo entende que é justamente ele que o amigo precisa ter por perto: alguém com vontade de viver.

Alguns personagen­s secundário­s ajudam a engrandece­r o filme. A começar por Yusisleydi­s (Gabriela Ramos), sobrinha de Diego, grávida aos 15 anos. Ela não se entende com a mãe e por isso encontra no quarto de Diego um possível lar.

Outra é Fefa (Carmen Solar), vizinha enigmática, meio mística, que ilumina a tela sempre que aparece. Não podemos esquecer de P4 (Cristian Jesús Pérez), o garoto de programa que se torna grande amigo de Diego. HOMENAGEM “Últimos Dias em Havana” tem uma boa dose de ingenuidad­e na maneira como o mágico invade a narrativa. O filme homenageia “Morango e Chocolate” (1993), o retorno do maior diretor cubano, Tomás Gutiérrez Alea, ao cinema. De alguma maneira, a magia de Alea contamina a representa­ção.

Mas é raro encontrar boa dramaturgi­a com tamanha poesia no cinema contemporâ­neo. (ÚLTIMOS DÍAS EN LA HABANA) DIREÇÃO Fernando Pérez ELENCO Patricio Wood, Jorge Martínez, Yailene Sierra PRODUÇÃO Cuba/Espanha, 2016, 14 anos QUANDO estreia nesta quinta (24) AVALIAÇÃO muito bom

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