No limite do melodrama, ‘O Castelo de Vidro’ dá cor a biografia conturbada
FOLHA
As memórias de infância de Jeannette Walls são tão inacreditáveis que viraram um best-seller. No livro publicado em 2005 e traduzido para mais de 30 idiomas, a jornalista americana fala do passado caótico de sua família.
Coisa de filme mesmo. Não por acaso, o sucesso “O Castelo de Vidro” migrou das prateleiras para o cinema, numa adaptação envolvente dirigida por Destin Daniel Cretton.
Difícil adivinhar o que os brincos de pérolas, as roupas caras e o penteado impecável de Jeannette (Brie Larson) escondem: uma história de sobrevivência em meio ao estilo de vida errante, negligente e disfuncional de seus pais.
A primeira pista se revela quando a colunista de fofocas os reencontra revirando lixo pelas ruas de Nova York. Apesar do choque, ela ignora a situação enquanto luta para acomodar dentro de si suas conturbadas lembranças.
Desse ponto em diante, passado e presente se misturam e se explicam a partir de uma estrutura muito bem amarrada por flashbacks. As transições temporais entre os anos 1960/70 e final da década de 1980 são feitas com naturalidade, o que torna a narrativa fluida e cadenciada.
Soco após soco (alguns literais), o público é apresentado à avalanche de dramas dos Walls —a maioria resultante das escolhas questionáveis de Rex (Woody Harrelson) e Rose Mary (Naomi Watts).
Adepto de um modo particular e utópico de entender o mundo, o casal se esforça para eliminar qualquer vestígio de uma vida convencional.
Assim, os dias tortuosos de Jeannette e dos três irmãos incluem mudanças constantes de endereço, privação, conflitos, uma mãe relapsa, além de um pai alcoólatra incapaz de lidar com os próprios demônios. O caos interior de Rex transborda em toda a família.
Permeado por cenas indigestas, o longa provoca uma sensação constante de desconforto que é amplificada pelas atuações potentes de Harrelson e Larson —vencedora do Oscar por “O Quarto de Jack” (2016). Seus respectivos personagens são cheios de profundidade e contradição.
Ainda que se renda a clichês contornáveis e se valha de estratégias manjadas para arrancar algumas lágrimas do espectador, “O Castelo de Vidro” propõe um jogo interessante de perspectiva, de recusa e aceitação. No limite do melodrama, cumpre a tarefa de dar forma, som e cor às memórias inacreditáveis de Jeannette Walls. (THE GLASS CASTLE) DIREÇÃO Destin Daniel Cretton ELENCO Brie Larson, Woody Harrelson, Naomi Watts PRODUÇÃO EUA, 2017, 14 anos QUANDO estreia nesta quinta (24) AVALIAÇÃO bom