Cavalo, carro e carne são a cara do Texas
Cidade de Amarillo concentra trilhas e cavernas para todo caubói à beira de Palo Duro, 2º maior cânion dos EUA
Na árida paisagem, churrascaria desafia glutões e ateliê de couro fornece selas para políticos republicanos
Um cavalo anda pacatamente até o drive-thru da lanchonete Whataburger. O homem em cima do bicho tira as mãos da rédea, usa uma para pegar o pedido e a outra para cumprimentar a atendente, tirando o chapéu.
A cena pode ser vista, com alguma variação, todos os dias em Amarillo, cidade de cer- ca de 200 mil habitantes na ponta norte do Estado do Texas (Estados Unidos). O lugar é uma meca dos cavaleiros.
Começa com a troca de “hi” (“oi”, em português) por “howdy”, saudação ouvida em filmes de bangue-bangue e até na boca de Woody, herói da franquia de animação “Toy Story”. Quase todo mundo tem um cavalo (o museu American Quarter Horse Hall of Fame é dedicado só ao quarto de milha), e estima-se haver uma arma para cada 15 pessoas —o Texas tem 1 milhão de registros ativos de armas, para cerca de 28 milhões de habitantes.
É em Amarillo que fica a Oliver Saddle Shop, ateliê de couro de renome mundial, onde uma sela custa, por baixo, US$ 5.000 (mais de R$ 15 mil) e leva um ano para ficar pronta. “Já fiz bastante coisa para brasileiros”, diz o patriarca, Richard Oliver. E também para presidentes.
Oliver é fornecedor informal da Casa Branca. Fez selas para George Bush pai, George Bush filho e agora trabalha em uma para Donald Trump. “Nem pensei em fazer uma para Obama”, afirma ele, que nasceu e cresceu no condado, onde Trump teve quatro vezes mais votos que Hillary Clinton em 2016.
Há até atração turística emulando como comiam os caubóis. O restaurante mais conhecido é o Big Texan, uma espécie de Frango Assado local (só que servindo boi). O lugar é mais conhecido por um desafio glutão do que pela comida: quem comer dois quilos de carne em menos de uma hora sai sem pagar.
O desafiante se ajeita numa mesa que fica no palco e, enquanto centenas de comensais dão conta de bifes locais, o corajoso encara cortes monstruosos. Se ganhar, comeu de graça. Se perder, paga US$ 72, “mas pode levar as sobras para casa”.
Quando alguém pergunta por que estava fazendo aquilo, o estudante de 18 anos William White responde de bate-pronto: “Por que não?”. Meia hora depois, ele tinha perdido o desafio, mas saiu sob aplausos da plateia. HORA DA MONTARIA Ginetes de primeira viagem podem começar a montaria por ali mesmo. O rancho Cowgirls & Cowboys in The West, comandado só por mulheres, oferece, por US$ 69 (cerca de R$ 220), um passeio de cavalo de uma hora pela beirada do cânion sob os cuidados de Phyllis Nickum, uma amazona simpática de 50 anos.
O cânion é Palo Duro, o segundo maior do país —perde para o Grand Canyon, mas não faz feio. Além da vista das suas beiradas, é possível descer até o leito, por uma trilha ou de carro, e explorar cavernas e o rio Texas, um dos poucos a cortar a aridez da paisagem. Mas viajantes entre junho e agosto dificilmente poderão aproveitar as caminhadas, já que a temperatura bate os 40º C com frequência.
Além dos equinos, carros são uma obsessão local, que começa com o Cadillac Ranch, uma instalação artística feita em 1974 pelo coletivo artístico Ant Farm. Os artistas fincaram dez Cadillacs no solo do deserto e deixaram as carcaças dos carros por lá, à mercê da natureza e da destruição —visitantes são incentivados a levar tinta em spray e pichar os automóveis.
A dois minutos dirigindo (todas as distâncias aqui são percorridas de carro), está um monumento que homenageia uma instituição desse pedaço de América. A estátua de um caubói tem cinco metros de altura e celebra o direito de portar armas nos EUA.
Os amantes da estrada podem ir ao Bill’s Backyard Classics, uma coleção de 170 carros entre Mustangs, Cadillacs e outros clássicos preservados pela fortuna do dono, criador de mais de 20 geringonças agrícolas. Outro ponto turístico do universo automotivo é o RV Museum, um museu no fundo de uma loja de autopeças que exibe trailers, motorhomes e outras casas sobre rodas.
Se o viajante tiver tempo e paciência, vale a visita ao musical “Texas!”, que é encenado ao ar livre no cânion e está em cartaz há 51 anos. O show de três horas (ingressos de R$ 50 a R$ 100) conta a história da colonização daquelas terras —contam-se nos dedos de uma mão os indígenas e negros no palco. Ao final, crianças vestidas com a bandeira americana colhem aplausos, sob a luz de fogos de artifício, que brilha nas lágrimas dos olhos da plateia.