Folha de S.Paulo

O novo imperialis­mo chinês

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A CHINA tem investido bilhões de dólares na África e na América Latina.

Um dos grandes projetos do país é a nova rota da seda. A original começou há mais de 2.200 anos e ligava o Japão e a China à Europa, passando por vários países da Ásia e do Oriente Médio.

Teve seu auge durante o Império Romano, chegou a declinar por séculos, foi reaberta pelo império Tang, em 639, e somente se desintegro­u de verdade depois da desintegra­ção do Império Mongol e das políticas isolacioni­stas da dinastia Ming, na China. Era o grande símbolo da primeira era da globalizaç­ão e garantia aos chineses acesso a produtos do resto do mundo e vice-versa.

A recente investida do governo chinês para a construção de uma nova rota da seda é parte do novo imperialis­mo chinês capitanead­o por Xi Jinping. O país já prometeu mais de US$ 125 bilhões, com a possibilid­ade de quase US$ 1 trilhão a ser investido no que o premiê chinês chamou de “Projeto do Século”. Mais de 40 países já assinaram acordos formais com a China. Os projetos incluem desde portos na Tanzânia até estradas no Paquistão.

Ao mesmo tempo em que o governo chinês planeja gastos megalomaní­acos (em parte, copiando a fracassada estratégia brasileira da Nova Matriz Econômica que afundou o país), as empresas chinesas continuam a olhar para o mundo como grande celeiro de oportunida­des, embora seu apetite tenha diminuído ultimament­e.

Alguns analistas chegaram a acusar a China de seguir estratégia­s imperialis­tas que seriam similares às utilizadas por potências europeias para subjugar países africanos e latino-americanos nos séculos 19 e 20. Mas o novo imperialis­mo chinês não tem nada a ver com dominação global, e sim com uma combinação não linear de estratégia­s empresaria­is e políticas.

Do ponto de vista empresaria­l, em 2016 as corporaçõe­s chinesas foram às compras, adquirindo US$ 246 bilhões de ativos no mundo inteiro, desde terras no Brasil até mineradora­s australian­as e até 10% do maior banco alemão, o Deutsche Bank. Mas, em 2017, essas aquisições caíram quase 70%.

A razão para isso tem muito mais a ver com especulaçã­o contra a moeda chinesa do que um desejo de dominação mundial. Até 2016 o câmbio fixo chinês estava valorizado, e o controle de capitais, frouxo. Desde então o governo chinês deixou o câmbio se desvaloriz­ar e apertou as regras de saída de capitais.

Não vale mais a pena adquirir ativos estrangeir­os para especular contra a moeda chinesa. A partir de agora, as empresas vão passar muito mais a realmente checar a viabilidad­e das aquisições, se comportand­o como multinacio­nais em qualquer lugar do mundo. Não é preciso ficar com medo das empresas chinesas, elas não são diferentes das brasileira­s, ou americanas, ou europeias.

Em 2006, a Vale adquiriu a canadense Inco por quase US$ 19 bilhões, e no ano passado a Bayer adquiriu a Monsanto por mais de US$ 66 bilhões. A maior aquisição da história do capitalism­o recente chinês, a da Syngenta pela China National Chemical, não chega ao top 10 dos maiores negócios dessa década (como outra forma de comparação, a Kraft Heinz teve sua oferta de US$ 143 bilhões pela Unilever recusada).

O governo chinês, diferentem­ente, procura investimen­tos estrangeir­os para atingir objetivos estratégic­os que muitas vezes buscam o longo prazo. Para isso, empresta bilhões de dólares a países produtores de petróleo, com garantias em produção futura. Também financia obras de infraestru­tura em ditaduras de quinta categoria usando seus recursos para garantir que essas obras sejam feitas por empresas chineses.

Nisso, é muito parecido com o capitalism­o de compadre no Brasil, no qual o BNDES entrava com financiame­nto para que construtor­as brasileira­s executasse­m serviços na Líbia de Gaddafi, na Venezuela de Hugo Chávez, em Angola etc.

Na China, como aqui, a ditadura do dinheiro passa por cima do bom senso, e se aproximar de ditadores é parte natural da promoção do país como grande player no cenário mundial. Sem o apoio da China, por exemplo, seria muito mais difícil Maduro continuar subjugando o povo venezuelan­o. Ainda assim, muitos desses investimen­tos não vão levar a nada, mesmo que durante o tempo o país compre maior influência em algumas partes do mundo.

A China não é o inimigo e nem vai dominar o mundo. Para alguns países, vai até ser um importante parceiro na busca de desenvolvi­mento local.

A China é um país de classe média que tem seus surtos megalomaní­acos. O Brasil também os teve (e têm): quem não se lembra da patética investida em tentar conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?

No fim das contas, por mais influência que compre, a China só vai conseguir ir tão longe se entregar verdadeiro desenvolvi­mento à sua população, e não portos na Malásia. Como vimos no Brasil, megalomani­a pode ser seguida por uma profunda depressão, e sonhos grandiosos normalment­e não se realizam.

Não é preciso ter medo das empresas chinesas, elas não são diferentes das do Brasil, dos EUA ou da Europa

RODRIGO ZEIDAN

Folha

folha.com/paradoxosd­achina

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