Folha de S.Paulo

Miopia, surdez e queixo duplo

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RIO DE JANEIRO - O escritor Afonso Borges, meu amigo, é o sujeito mais ligado em tecnologia que conheço. É por ele que, há 30 anos, fico sabendo das novidades no setor. Era de Afonso, por exemplo, o primeiro carro que vi ser chamado por controle remoto e buzinar de volta ao ouvir a voz do dono. Ele foi também o primeiro a me dizer que teria uma “página” na internet. Anos depois, riu ao saber que eu ainda usava secretária eletrônica de fita. E, há pouco, doeram-lhe os ouvidos ao ter de ligar para um telefone fixo —o meu, o único que possuo.

Daí minha surpresa ao ler um recente artigo de Afonso no “Globo”, dizendo que o hábito de ler no celular pode provocar uma legião de gente torta e cegueta na praça. “Uma pesquisa mostrou que a inclinação de 60 graus no pescoço determina um peso de 27 quilos sobre a cervical”, escreveu. “Nada demais se fosse esporádico. Mas os adolescent­es passam, em média, quatro horas por dia nesta posição. São entre 700 e 1.400 horas por ano inclinados.” E completou: “Outra pesquisa registrou um aumento de 30% de casos de miopia entre jovens”.

Bem, diante disso, já me animo a perguntá-lo sobre os rumores de que o celular também está produzindo uma geração de surdos, pelo hábito de seus usuários ouvirem música em alto volume com os fones grudados nos tímpanos. Ou sobre a incidência de acidentes —trombadas em postes, hidrantes e idosos— entre cidadãos que andam pelas ruas olhando para a maquininha.

Há também as velhas acusações de insociabil­idade: as pessoas vão aos restaurant­es e, em vez de conversar, ficam digitando besteiras. Sem falar num risco terrível: o queixo espetado ao peito enquanto se olha para a tela está condenando rapazes e moças ao queixo duplo.

Acho melhor poupar Afonso dessas perguntas. Ele pode começar a antipatiza­r com o celular. ROBERTO DE OLIVEIRA

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