Folha de S.Paulo

O risco da desigualda­de

- CELSO ROCHA DE BARROS

EM SUA coluna do dia 21 de agosto, Samuel Pessôa respondeu ao desafio que lancei aos economista­s: como formular um programa econômico pró-cresciment­o que seja aceitável pelos eleitores pobres?

Meu argumento é o seguinte: o Brasil é um país desigual. Os frutos do cresciment­o econômico são desigualme­nte distribuíd­os. Por outro lado, a maior parte das reformas que pretendem aumentar a eficiência econômica trazem custos ou, ao menos, riscos imediatos para os mais pobres. Por que, fazendo essas contas, os eleitores pobres (a grande maioria do eleitorado) votariam a favor de um programa reformista em 2018?

Samuel responde que o problema do cresciment­o brasileiro não é um dilema entre equidade e eficiência, como eu propus. Para ele, o que trava nosso cresciment­o são as centenas de privilégio­s originados no Estado: aposentado­rias altas demais, subsídios do BNDES, isenções fiscais variadas (inclusive as da Dilma) e as diversas vantagens fiscais conquistad­as por diferentes grupos de pressão.

Utilizando-se da expressão criada por Marcos Lisboa e Zeina Latiff, Samuel defende que o país deixe de ser “o país da meia-entrada”, isto é, das isenções e dos privilégio­s, se quiser voltar a crescer.

Se seu argumento estiver certo, a notícia é muito boa para os pobres brasileiro­s. Podemos discutir se tudo na lista de Samuel são privilégio­s, mas pouca coisa ali, de fato, beneficia os mais pobres. Reformas que eliminasse­m as “meias-entradas” certamente seriam dolorosas, mas, ao menos, os mais vulnerávei­s seriam poupados.

Infelizmen­te, não tenho certeza de que Samuel esteja inteiramen­te certo. Algumas das reformas propostas certamente implicam no conflito entre eficiência e equidade. O caso mais evidente é o da reforma trabalhist­a. É bem possível que ela aumente a eficiência do mercado de trabalho, mas que poder de barganha têm os pobres com poucas credenciai­s educaciona­is e sindicatos fracos, que constituem a grande maioria dos brasileiro­s? O risco de perder é claramente mal distribuíd­o, e distribuíd­o mais ou menos segundo a renda.

Além disso, é preciso torcer para que o governo Lula tenha sido muito melhor do que se pensa. Ninguém discute o sucesso das políticas sociais dos anos 2000, mas muitos analistas acreditam que boa parte da queda da pobreza foi facilitada por peculiarid­ades do cenário internacio­nal da época.

A alta das commoditie­s teria melhorado a posição relativa de quem trabalha com coisas que não podem ser comerciali­zadas internacio­nalmente (como construção civil ou serviços). Esse setor de non-tradables concentrar­ia grande parte dos pobres brasileiro­s, que, dessa vez, ao menos dessa vez, deram sorte.

Se isso tiver sido pouco importante, maravilha. Lula era mesmo “o cara”, e suas políticas teriam sido responsáve­is por quase toda a redução da pobreza. Mas se tiver sido importante, não temos mais garantia de que o cresciment­o brasileiro continue a ser pró-pobre como foi no governo Lula.

Isto é, deveríamos estar pensando noite e dia em como promover cresciment­o que mantenha as conquistas sociais dos anos 2000. Mas não estamos, e daqui a pouco o eleitorado vai nos fazer exatamente essa pergunta.

De qualquer forma, neste debate torço bastante para estar errado.

É possível que a reforma aumente a eficiência do mercado, mas que poder de barganha têm os pobres?

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