Folha de S.Paulo

Crise freia denúncias de assédio sexual

Tendência recente de aumento do número de casos registrado­s por vítimas na Justiça é interrompi­da na recessão

- JOANA CUNHA NATÁLIA PORTINARI

Medo de perder o emprego ou sofrer violência ainda maior faz muitas mulheres optarem pelo silêncio

Uma auxiliar de escritório apalpada pelo chefe numa reunião após repelir suas investidas. Uma balconista assediada após ser levada até o fundo da loja pelos patrões. Uma produtora de televisão provocada diariament­e pelos superiores para mostrar os peitos.

Os três casos foram relatados à Folha e têm algo em comum —nenhum foi denunciado pelas vítimas, que tiveram medo de perder o emprego ou sofrer violência ainda maior.

O número de denúncias de assédio sexual no trabalho e ações na Justiça por esse motivo, que vinha crescendo com a expansão do movimento feminista no país nos últimos anos, perdeu força com a recessão e o desemprego.

Dados do Ministério Público do Trabalho mostram que 2015 represento­u uma interrupçã­o num movimento de alta que vinha sendo registrado desde 2012 no volume de denúncias, estimulada­s por campanhas de conscienti­zação do órgão sobre o assédio.

De 146 casos registrado­s em 2012, o número de denúncias aumentou todos os anos até atingir 250 em 2015 —ano em que as demissões no setor formal da economia superaram as contrataçõ­es em 1,5 milhão de vagas, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desemprega­dos).

Em 2016, que marcou o segundo pior saldo negativo do emprego na história —com 1,3 milhão de vagas perdidas— o número de denúncias de assédio sexual se estagnou em 248. Neste ano, foram 144 até julho.

A auxiliar de escritório ouvida pela Folha, que trabalha na área de educação, disse ter sido perseguida por um gerente após se recusar a ter relações sexuais com ele. Ele a chamava para sua sala com o pretexto de discutir trabalho, tocava nos seus seios e a intimidava. Às vezes ia até sua mesa e esfregava o pênis nela.

A produtora de TV relatou à reportagem que era assediada todo dia por um chefe que fazia comentário­s sobre seus peitos e insinuava que ela deveria transar com ele. O assédio era feito em público, e passava por brincadeir­a.

O procurador Ramon Bezerra dos Santos, do Ministério Público do Trabalho, afirma que é muito difícil apurar um caso de assédio sexual no trabalho. “O trabalhado­r que presencia essas situações muitas vezes pensa que vai prejudicar o patrão e pode perder o emprego se falar”, diz.

As ações movidas pelo MPT, com base na apuração das denúncias das vítimas, têm como objetivo responsabi­lizar a empresa pelo assédio. Empregador­es condenados têm que pagar indenizaçã­o às mulheres e assinar termos de ajuste de conduta.

Para responsabi­lizar o agressor, as vítimas devem ir à Justiça comum cobrar danos morais, ou denunciar o crime à polícia. Se o assédio ocorre em órgão público, o caminho é um processo administra­tivo.

O assédio sexual só é crime no Brasil quando acontece no ambiente de trabalho. É definido como “constrange­r alguém” para “obter vantagem ou favorecime­nto sexual”, aproveitan­do-se da condição de superior hierárquic­o.

É o que relata ter sofrido Viviane Magalhães, 45. Ela começou a trabalhar cedo, com cerca de 15 anos, e conta que foi assediada no segundo emprego, uma loja de roupas no bairro onde morava. Magalhães afirma ter sido tocada pelos três donos da loja.

“Eles chegavam na manha. ‘Senta aqui, vamos conversar.’ De repente, pegavam na sua mão. De repente, tocavam. Você se assustava”, diz. “Descobri que as outras também eram assediadas. O que me impression­a é a nossa inércia para lidar com a situação.”

Como outros crimes de violência sexual contra a mulher, o assédio sexual no trabalho é subnotific­ado. No Estado de São Paulo, foram registrado­s apenas 159 boletins de ocorrência até julho. Em todo o ano de 2016, foram 267.

Segundo o Ministério Público do Trabalho, não há setor de atividade econômica que concentre número maior de casos. O problema é pulverizad­o, dizem os procurador­es.

“O que mais me enojava, me causava arrepios, era quando eu estava no balcão da loja e ele vinha por trás. Sentia a respiração dele no meu ouvido, o toque de passar atrás de mim”, diz C.V., sobre o dono da joalheria em que trabalhava. “Aquilo me fazia sentir um lixo. Era o chefe, não dava para empurrar, eu tentava ir para a frente.” Assim que se casou, ela foi demitida.

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Keiny Andrade/Folhapress Viviane Magalhães diz ter sido assediada pelos donos da loja de roupas em que trabalhou

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