Folha de S.Paulo

Falta de vínculo de trabalho formal inibe ações na Justiça, diz advogada

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DE SÃO PAULO

Na hora de denunciar o assédio no ambiente de trabalho, é difícil superar o medo de perder o emprego ou ficar estigmatiz­ada, afirmam as vítimas e ativistas feministas.

“Sinais de uma relação belicosa com a empresa são sempre um obstáculo, e quem vai julgar isso são os homens, porque a alta liderança não é feminina”, diz Cida Bento, diretora do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualda­des. “Para mulheres negras, é ainda pior.”

Marina Ruzzi, advogada especializ­ada em violência contra a mulher, a “precarizaç­ão dos vínculos trabalhist­as” explica a diminuição das denúncias de assédio sexual.

“Já fui procurada por mulheres que não tinham carteira assinada e não podiam buscar a Justiça do Trabalho”, explica. “Se a mulher trabalha como pessoa jurídica, tem que acionar a Justiça cível pedindo danos morais, o que é mais difícil de caracteriz­ar que assédio sexual.”

Para o procurador Ramon Bezerra dos Santos, do Ministério Público do Trabalho, a interrupçã­o da tendência de aumento do número de denúncias vai na contramão do movimento de conscienti­zação feito nos últimos anos. “Na verdade, deveria ter aumentado, e não diminuído, porque agora as pessoas estão mais esclarecid­as”, diz.

Dentre as denúncias, sempre foi baixo o volume que desencadei­a ações, inferior a 10% dos casos, segundo ele.

“Mulheres e homens deixaram de entender que violência é só porrada, estupro e feminicídi­o. A puxada de braço, a cantada no trabalho, tudo isso começou a ser lido como violência”, diz a escritora Antonia Pellegrino, uma das criadoras do blog #AgoraÉQueS­ãoElas, da Folha. Ações civis públicas apresentad­as à Justiça 18

“Isso é fruto direto da pauta feminista, de debates que cresceram nos últimos anos, marcadamen­te a partir de 2011, com a marcha das vadias [movimento que surgiu no Canadá pelo fim da culpabiliz­ação de vítimas de estupro]. A campanha do ‘Chega de Fiu Fiu” [iniciativa criada para combater o assédio sexual sofrido pelas mulheres em locais públicos] também é fundamenta­l”, ela afirma. FACULDADES A mudança cultural se manifestou também no surgimento de coletivos feministas em faculdades onde a presença masculina é tradiciona­lmente predominan­te.

Leticia Kanegae, aluna da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo, responsáve­l por coordenar a participaç­ão dos alunos em projetos que procuram promover a diversidad­e na instituiçã­o de ensino, diz que a noção de ética na universida­de tem evoluído. “Antes, o código de conduta dos estudantes só abordava temas ligados a cola”, afirma.

Em sua experiênci­a como estagiária, ela diz ter percebido como são recorrente­s declaraçõe­s machistas e de banalizaçã­o da palavra estupro.

“Quando dá errado uma programaçã­o, eles dizem que foram estuprados pela máquina. Quando falam palavrão, pedem desculpa para as mulheres que estão no mesmo ambiente”, afirma Kanegae. “Parece que a gente precisa pedir licença para estar no escritório.” (JC E NP)

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