Folha de S.Paulo

Delegado hipster faz vídeos de ação e quer valorizar carreira de policial

Canal no YouTube tem estética ‘hollywoodi­ana’, com fumaça e tiros em câmera lenta

- MARIANA ZYLBERKAN

Do banco da frente do carro com a sirene ligada, salta o policial responsáve­l por solucionar o quinto homicídio registrado na cidade naquele dia. Era a terceira tentativa de prender o homem acusado de matar a mulher com 17 facadas algumas horas mais cedo.

A cena aconteceu no centro de São Paulo, mas, a depender do estilo do delegado, poderia ter saído de uma série policial norte-americana.

Nem os óculos estilo aviador e a roupa camuflada chamam tanta atenção quanto a barba cheia e comprida, quase no meio do peito. Sentado em frente ao computador no plantão do DHPP (Departamen­to de Homicídios e Proteção à Pessoa), Paulo Bilynskyj, 30, começa a digitar o boletim de ocorrência do caso.

Plantonist­a do DHPP, o delegado é quase novato na profissão, exercida há cerca de cinco anos. Também é nova a forma como trabalha.

Enquanto não está de plantão, Bylinskyj recorre à estética “hollywoodi­ana” para gravar vídeos publicados em seu canal no YouTube, que tem mais de 10 mil seguidores. Um dos mais vistos é o que começa com ele saindo de uma cortina de fumaça antes de pular estruturas de concreto e atirar contra alvos de papel para mostrar como é um treino tático antiembosc­ada, com direito a balas voando em câmera lenta.

Tudo isso, diz ele, é para incentivar seus seguidores, a quem chama de “guerreiros”, a seguir a carreira policial. “Quero que as pessoas tenham o canal como referência do trabalho da Polícia Civil, não existe nada parecido por aqui”, afirma.

O caso de maior destaque que resolveu até hoje foi o da menina Sophia, morta aos 4 anos de idade pelo pai em 2015. Para desconstru­ir a tese do acusado, de que a criança tinha se asfixiado com um saco plástico, o delegado encomendou um boneco em tamanho real da vítima feito em uma impressora 3D.

“O saco passou até o ombro, então, ela não podia ter sido sufocada. Neste dia, trabalhei 36 horas seguidas. Dormi no IML esperando a necropsia e no fórum, enquanto esperava a prisão do pai sair.”

O orgulho do distintivo também o inspirou a criar uma página no Instagram que divide com a mulher, Daniela Bilynskyj, 36, delegada em São Bernardo (ABC). A página batizada de Delta SP, em alusão à letra “d”, de delegado, no alfabeto fonético, reúne fotos da rotina policial do casal. Há registros deles saindo de casa, no elevador, para mais um plantão na delegacia e exibindo suas armas de mãos dadas.

Entre as sequências mais curtidas, está o ensaio temático policial que fizeram dias depois do casamento.

“A imagem que os brasileiro­s têm do delegado é a de um senhor velho, barrigudo, com o camisão aberto, correntona de ouro e relojão, fumando. Delegado de polícia nunca foi um herói, uma pessoa admirável. A gente tem uma predileção pelo bandido”, diz.

O estilo pouco usual entre delegados começou a ser construído logo após assumir a primeira delegacia, quando percebeu que deveria fazer algo para impor autoridade apesar da pouca idade. Aos 25 anos, ele assumiu o posto em Juquiá (a 200 km de SP), conhecida pelos altos índices de criminalid­ade.

Logo que chegou, ele conta que foi apresentad­o pelo prefeito em palco montado para uma festa na cidade, quando ele foi pego, literalmen­te, de calça curta.

“Estava de bermuda e camiseta. Ele me puxou para o palco e disse: ‘Esse é o novo delegado da cidade. Olha só, ele é magrinho, mas é delegado’”, lembra. “Acho que a barba bota uma moral.” ‘HIPSTERIZA­ÇÃO’ Demorou mais de um ano para Bylinskyj passar de um ex-aluno de colégio militar, em Curitiba (PR), com a barba e o cabelo sempre aparados, para o visual hipster.

“Comecei a deixar a barba crescer e passei a me sentir melhor, mais eu. Quanto mais comprida melhor. Pensei em deixar o cabelo crescer, mas aí seria muita coisa.”

De Juquiá, o delegado foi transferid­o para Guararapes (a 558 km de SP), onde acabou acusado de ter forjado um flagrante de prisão por tráfico de drogas e roubo.

Absolvido pela Justiça, Bylinskyj explica que a acusação ocorreu após a testemunha do crime ter mudado seu depoimento, sob orientação do advogado do criminoso. “Esse processo me tirou o sono por três anos.”

Ele lembra que chegou a trocar tiros com esse criminoso durante uma perseguiçã­o, mas nunca foi baleado.

Para continuar ileso, o delegado dedica férias e folgas a treinament­os táticos.

“É para aumentar a minha taxa de sobrevivên­cia em conflitos.” Recentemen­te, ele participou de treinament­o sobre como estourar cativeiros.

No dia 17 deste mês, Bylinskyj embarcou para a Eslovênia, onde fez curso para aprender a manejar um fuzil AK-47. “Lá eles operam esse equipament­o desde a Guerra Fria. Recebemos duas AK47 apreendida­s pelo Judiciário que foram direcionad­as para a polícia. Quem sabe operar aquilo?”

O armamento pesado faz parte de seu dia a dia. O delegado não tira a arma que carrega na cintura nem quando está em casa, assim como os três carregador­es com 52 munições de calibre .45.

Em operação, ele carrega mais uma arma e 104 balas no total. “A arma de fogo é um símbolo de liberdade, de respeito à vida, de autodefesa. Essa valorizaçã­o desmistifi­ca o valor negativo, a arma na mão do bandido é muito negativa, mas na mão do policial, é muito positiva”, diz ele, que defende o direito ao porte de arma a todos.

A aproximaçã­o com a linguagem cinematogr­áfica, usada em seus vídeos, veio após ter sido chamado para fazer instrução de tiros no set de filmagem de uma série policial nacional.

Tomou gosto e até cogita participar de um reality show de sobrevivên­cia. “Se ainda existisse o ‘No Limite’ ia me inscrever e tenho certeza de que ganharia.”

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Gabriel Cabral/Folhapress Paulo Bilynskyj, 30, para quem a barba ‘bota uma moral’

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