Folha de S.Paulo

Na Bahia, filho vive angústia à procura do pai

Salvador Sousa Santos é o único não encontrado em naufrágio cuja família registrou queixa como desapareci­do

- FABRÍCIO LOBEL JOÃO PEDRO PITOMBO AVENER PRADO

Ao menos 18 morreram; mais um corpo foi achado na noite de domingo, mas ainda não havia sido reconhecid­o

Salvador Sousa Santos sempre teve bom peito e nadou bem, mesmo aos 68 anos, garante o filho mais velho, Marcelo Santos, 45. “Muito ativo, muito forte, nem parece ter a idade que tem”, diz.

Ao ver que a lancha em que estava começou a virar na baía de Todos-os-Santos, Salvador teria saltado ao mar. Viu o desespero das outras pessoas que ainda estavam no barco, nadou e teria conseguido salvar duas mulheres. Voltou à pedra, tomou fôlego e se lançou ao mar mais uma vez para salvar mais vítimas do naufrágio, mas não voltou.

O relato pode não ser exatamente verdadeiro, mas assim foi contada a história do desapareci­mento de Salvador a seu filho. E assim Marcelo a tem retransmit­ido.

Salvador era um dos passageiro­s do naufrágio que na última quinta-feira (24) matou 18 pessoas no trajeto entre a ilha de Itaparica e a capital baiana.

Ele saiu de casa na ilha com sua bolsa cheia de ferramenta­s para trabalhar mais um dia como eletricist­a na capital, mas não voltou.

É a única vítima do acidente cuja família registrou boletim de ocorrência reclamando o sumiço. Bombeiros ainda buscam um segundo corpo, de uma adolescent­e, cuja identidade é desconheci­da.

Ao todo, 124 passageiro­s estavam a bordo, 18 corpos haviam sido encontrado­s até a tarde de domingo (27), e 91 pessoas passaram por unidades de saúde. As outras 15, inicialmen­te, as autoridade­s chegaram a divulgar que estavam desapareci­dos. O dado, porém, não se confirmou nos dias seguintes, já que fora a família de Salvador, nenhuma outra procurou a polícia para registrar o sumiço.

Os bombeiros e Marinha passaram então a trabalhar com a hipótese de que eles haviam sido resgatados ou se salvado sozinhos e voltaram para suas casas sem fazer qualquer registro na delegacia.

Neste domingo, Marcelo, o filho de Salvador, saiu da capital baiana para saber de notícias de seu pai, na ilha de Itaparica. Na balsa, soube por um amigo que um corpo havia sido encontrado próximo à praia da Barra, em Salvador.

“Se a gente for cair em cada boato, fica louco”, diz Marcelo. Até aquele momento, nenhum outro corpo tinha sido achado pelas equipes.

Desde o acidente, os filhos de Salvador já passaram por necrotério­s, hospitais e delegacias de quase todo o recôncavo baiano sem pistas do pai.

Na delegacia de Vera Cruz, o maior dos dois municípios que formam a ilha de Itaparica, Marcelo buscou saber se pertences de seu pai haviam sido encontrado­s. Nada.

Mais adiante, na praça da cidade onde moradores depositara­m flores e acenderam velas em homenagens às vítimas, buscou informaçõe­s com bombeiros sobre as buscas por corpos. Sem sucesso.

Enquanto caminhava pelas ruas da cidade, escutou moradores comentando que dois corpos do acidente haviam sido encontrado­s na praia Barra Grande, também na ilha, a 20 km de Vera Cruz.

Ainda sem resposta, Marcelo foi para o sítio do pai. Lá encontrou Preto, o vira-lata do pai cuidando do terreno. O cão tem sido alimentado por vizinhos e familiares desde que Salvador deixou o local.

O sítio ainda está decorado com bandeirinh­as de São João e fitas brancas do Senhor do Bonfim.

“Aqui era a farra dele, das famílias e dos amigos. A gente vinha, fazia uma festa, jogava dominó”, diz o amigo Júlio Conceição.

Na porta da casa, uma foto de Irmã Dulce —religiosa que se notabilizo­u pelo trabalho assistenci­al em Salvador e foi beatificad­a em 2011.

A beata dá nome a um hospital filantrópi­co na capital baiana. Nele, Salvador Souza foi operado e curado de uma infecção grave. Desde então, virou devoto.“Uma vez por mês ele ia levar as mangas e cocos que pegava no sítio para a equipe do hospital”, conta Marcelo.

O filho de Salvador acredita que o pai possa estar vivo em algum outro ponto da baía, sem conseguir entrar em contato.“Como corpo ainda não apareceu, ainda resta uma esperança. Se tivesse morrido, já teria aparecido a essa hora. Isso me dá calma”. NOVA APREENSÃO No início da noite de domingo, os bombeiros encontrara­m o corpo de um homem no mar da praia da Barra do Pote, em Vera Cruz. A polícia acredita que seja mais uma vítima do naufrágio. Com isso, o número de mortos pode passar para 19.

A Folha apurou que o corpo recolhido tinha caracterís­ticas semelhante­s ao de Salvador. No bolso da calça, havia a chave de um carro igual ao que ele possui.

O corpo foi encaminhad­o para o Instituto Médico Legal de Santo Antônio de Jesus, a 91 km de Vera Cruz, e será reconhecid­o por familiares.

As equipes de busca encontrara­m o corpo a sete quilômetro­s do local onde o barco naufragou. As buscas a possíveis vítimas permanecem nesta segunda (24).

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Fotos Avener Prado/Folhapress Marcelo Santos, 45, que está à procura de notícias do pai

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