Folha de S.Paulo

Há 40 anos, Pelé teve adeus real em campo de beisebol adaptado

Em última partida de competição, rei do futebol conquistou título nacional nos EUA

- FLAVIO SAMPAIO COLABORAÇíO PARA A DE PORTLAND (EUA)

Foi num estádio de beisebol adaptado às pressas para uma partida de futebol que o rei Pelé participou do último jogo competitiv­o de sua carreira há exatos 40 anos. Vestindo camisa verde e calção branco, Edson Arantes do Nascimento entrou em campo no dia 28 de agosto de 1977 para defender as cores do Cosmos, de Nova York, contra o Sounders, de Seattle.

A partida que definiria o campeão da Liga Norte Americana de Futebol (NASL) deveria ser realizada em campo neutro, segundo as regras da competição.

Portland, distante apenas 280 km de Seattle, foi a cidade sorteada para delírio dos torcedores do Sounders que lotaram o Civic Stadium (atual Providence Park). Naquele domingo de chuva, 35.548 torcedores quebraram o recorde de público do estádio que hoje pertence aos Timbers, campeão americano de 2015.

A lotação máxima atual é de 21 mil pessoas. Foi a segunda vez que o estádio receberia um “rei” –a primeira foi 20 anos antes, em 1957, quando Elvis Presley, o rei do rock, fez um show no local.

Com uma cerveja numa mão e um cachorro-quente na outra, Roger Andrus, na época com 25 anos, sentou-se em uma das últimas fileiras da arquibanca­da montada para a decisão do campeonato.

“O lugar era péssimo, bem como toda a estrutura do estádio”, lembra Andrus.

Ele e a namorada pagaram US$ 4 (US$ 16 em valores atualizado­s, cerca de R$ 50) por cada ingresso.

“Quando vi que a final seria contra o Cosmos, de Pelé, foi um misto de felicidade e decepção. Ele era um herói para todos nós mas naquele momento ele era o mais temido adversário”, diz Andrus.

O estrelado time nova-iorquino contava ainda com o alemão Franz Beckenbaue­r, o italiano Giorgio Chinaglia e o capitão da seleção brasileira de 1970, Carlos Alberto Silva.

O derradeiro jogo finalizari­a também a única experiênci­a profission­al da carreira de Pelé fora do Santos, clube em que o atacante brasileiro conquistou 45 títulos.

O considerad­o atleta do século foi contratado pelo Cosmos em junho de 1975, com salário anual de US$ 1,4 milhão (US$ 68 milhões em valores corrigidos).

Quando o relógio marcou 13h, o juiz apitou o início da partida. Quem esperava ver uma atuação memorável do rei Pelé, decepciono­u-se. Apesar da ótima forma física para um atleta de 36 anos, o brasileiro brilhou pouco em campo. Aos 19 minutos do primeiro tempo, para desespero da torcida do Sounders, o goleiro Tony Chursky tentou recolocar uma bola em jogo mas acabou dando de presente o primeiro gol para o Cosmos, numa roubada de bola de Steve Hunt, sem dúvida o melhor jogador da partida. Quatro minutos depois, numa linda tabela, o Sounders conquista o empate. Fim do primeiro tempo.

Na transmissã­o ao vivo pela ESPN, o “show do intervalo” incluiu a entrega de um Toyota Celica 1977, cor vinho, para o melhor jogador do campeonato. Franz Beckenbaue­r foi o escolhido, mas os holofotes estavam mesmo apontados para o tricampeão mundial nascido em Três Corações (MG).

O narrador Jon Miller explicava aos telespecta­dores que era última chance de Pelé conquistar um campeonato internacio­nal por um clube. Edson Arantes do Nascimento era “o atleta mais fabuloso da história dos esportes e talvez o mais adorado também”, nas palavras do comunicado­r.

De volta ao segundo tempo, o time do Sounders parecia perdido em campo, criando poucas jogadas ou chutes a gol. Aos 22 minutos, Chinaglia dá uma cabeceada certeira, confirmand­o o campeonato para o time de Nova York por 2 a 1.

“Foi uma festa muito bonita. Era um jogo importante porque foi uma decisão de campeonato e eu não queria me despedir como perdedor. Isso era muito importante para mim”, afirma Pelé à Folha.

Ao final da partida, o rei do futebol tirou sua camisa, foi abraçado pelos jogadores e saiu escoltado por policiais que o protegiam do assédio de torcedores que invadiram o campo. Depois disso, ele nunca mais calçou as chuteiras para jogar uma partida competitiv­a.

Trinta e quatro dias depois, no estádio do Cosmos em Nova York, Edson Arantes do Nascimento despediu-se oficialmen­te do futebol em um diferente jogo exibição entre Cosmos e Santos. Pelé literalmen­te virou a casaca: no primeiro tempo jogou pelo Cosmos e marcou um gol de falta e na segunda etapa vestiu a camisa do clube do coração que perdeu por 2 a 1 do time norte-americano.

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