Rei da bateria, Wilson das Neves morre aos 81, no Rio
Artista tocou com mais de 750 músicos, de Clara Nunes a Sarah Vaughan, e tardiamente mostrou talento além das baquetas como cantor e compositor
Guarda do Império Serrano e padrinho da bateria da escola de Madureira (zona norte), onde seu corpo foi velado neste domingo. Ô SORTE! Sua trajetória, porém, foi além do banquinho da bateria, seu trono de rei.
Há pouco mais de 20 anos, em 1996, mostrou que era também cantor e compositor —talento que escondia desde os anos 1970—, lançando-se com o disco “O Som Sagrado de Wilson das Neves”.
O álbum, do qual participaram Paulo César Pinheiro e Chico, recebeu o Prêmio da Música Brasileira.
Gravaria ainda outros três discos como intérprete, “Brasão de Orfeu” (2004), “Pra Gente Fazer Mais Um Samba” (2010) e “Se me Chamar, Ô Sorte” (2013).
No último, compôs “Fragmentos do Amor” com Nelson Sargento. Uma segunda parceria, da dupla, letra de Das Neves, melodia de Sargento, ficou incompleta.
“Ô sorte”, aliás, era outro de seus muitos bordões —o músico era conhecido não só pela elegância mas também pelo humor e pela verve.
Das Neves contava que “ô sorte” foi um dizer que surgiu nos anos 1970, pronunciado sempre que se encontrava com o cantor Roberto Ribeiro (1940-96) na quadra do Império Serrano.
“Era como se a gente dissesse ‘ô sorte de ser imperiano’. Ele morreu, eu fiquei com o bordão. É um agradecimento à vida, a meus orixás, a tudo”, contou à Folha.
O bordão grato titula ainda sua biografia,“Ô Sorte! Memórias de um Imperador” (Multifoco). O livro, de autoria do historiador Guilherme Almeida, foi lançado no ano passado, em comemoração dos 80 anos do artista.
Wilson das Neves teve quatro filhos —dois morreram antes dele, um prematuro, outro, jovem jogador de futebol, num acidente de carro.
Dizia não se lembrar da data da morte desse filho ou a dos pais, o pernambucano Heráclito das Neves e a baiana Maria de Lourdes.
Evocava a amiga Elizeth Cardoso, que dizia que morrer era como ir para o Japão sem data conhecida de volta.
Wilson das Neves foi, então, para o Japão. Seu corpo seria enterrado às 10h desta segunda, no Cemitério Jardim da Saudade, no Rio. (FRANCESCA ANGIOLILLO, MARTHA ALVES, VICTORIA AZEVEDO, LUIZA FRANCO)