Folha de S.Paulo

Trans em novela da Globo faz parte de estratégia por mobilizaçã­o social

Em ‘A Força do Querer’, Ivana se tornará Ivan; emissora vê personagem trazer picos de audiência

- DIEGO BARGAS

Departamen­to mapeia temas de interesse social, como identidade de gênero, on-line e em encontros com público

Nas últimas semanas em “A Força do Querer”, atual novela das 21h da Globo, Ivana se descobriu transexual e começou por conta própria uma terapia hormonal.

Em breve, a personagem mudará seu nome para Ivan, e as primeiras caracterís­ticas da readequaçã­o de gênero ficarão visíveis; também sofrerá com discrimina­ção e com a rejeição de sua família.

A personagem de Carol Duarte faz parte de uma estratégia da Globo em busca de mobilizaçã­o social para discutir, nas telas, sexualidad­e e identidade de gênero.

Em entrevista à Folha, Beatriz Azeredo, diretora de responsabi­lidade social da emissora, explica que seu departamen­to identifica temas a partir de encontros com o público, monitorame­nto de redes sociais e conversas constantes com especialis­tas.

“Buscamos escutar a sociedade e entender as angústias de uma juventude que está cada vez mais empoderada”, diz Azeredo.

Há um interesse especial no público com menos de 30 anos. “Se há assuntos com os quais as famílias e as escolas estão lidando, nada mais natural do que eles reverberar­em na televisão.”

Sérgio Valente, diretor de comunicaçã­o da Globo, explica que toda a cadeia produtiva é influencia­da por assuntos do âmbito da responsabi­lidade social.

“Mas não definimos nada, quem gera o conteúdo criativo tem liberdade total”, diz.

Assim, um mesmo tema é abordado por vários progra- mas. “Com ações em conjunto você dá à população um arcabouço de informaçõe­s.”

No caso da novela de Gloria Perez, foram mais de quatro meses desde a estreia, até a personagem chegar a este momento. Suas dúvidas e descoberta­s foram mostradas de maneira didática.

A Globo tem notado a popularida­de de Ivana nos índices do Ibope. “A Força do Querer” teve picos de 42 pontos em São Paulo em momentos decisivos da personagem.

A audiência média da novela na Grande São Paulo é de 34 pontos (cada ponto equivale a 199.309 indivíduos). SEM PLANO B O posicionam­ento progressis­ta da Globo em relação a temas LGBTs é novo.

Em 2005, um beijo gay na novela “América”, também de Gloria Perez, foi cortado poucas horas antes de ir ao ar.

Um beijo entre dois homens só foi visto oito anos depois, em “Amor à Vida” (2013). Em 2016, “Babilônia” encontrou rejeição de parte do público ao mostrar, no primeiro capítulo, um beijo entre Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg.

A possibilid­ade da desaprovaç­ão foi levada em consideraç­ão no caso de Ivana.

“Essa sociedade que não quer conversar sobre isso também está contemplad­a na obra”, diz Valente, que acredita que o telespecta­dor brasileiro está pronto para discutir qualquer assunto, “dependendo do talento com o qual essa temática é colocada”.

Gloria Perez não tinha um plano B caso Ivana fosse rejeitada pelo público.

“Sendo um tema ainda tão desconheci­do para a maioria das pessoas, a preocupaçã­o foi construir empatia. O público compartilh­ou sua angústia e a descoberta de sua identidade. Está indo junto com ela”, diz à Folha.

A autora é experiente no chamado “merchandis­ing social”, nome dado à inserção de temas sociais em tramas de novelas (veja quadro ao lado). “A novela pode suscitar um debate nacional sobre um determinad­o assunto.”

Para escrever a trama de Ivana, a autora mantém por perto alguns transexuai­s, como João Nery, considerad­o o primeiro homem trans operado no Brasil —seu livro, “Viagem Solitária”, apareceu em algumas cenas da novela.

Um desafio futuro deve vir da demanda por ampliar a abrangênci­a do tema.

A psicóloga Maria Lucia Pereira, especialis­ta em sexualidad­e, aponta que seus pacientes trans esperam ver como será a abordagem de questões legais, como a retificaçã­o dos documentos com o nome social.

A também psicóloga Edith Modesto, fundadora do Grupo de Pais de LBGTI, enxerga um saldo positivo: “Aparecer como personagen­s de novela traz às pessoas trans a esperança de dias melhores”.

Carol Duarte vê na sua personagem a possibilid­ade de iluminar o assunto. “A novela pode trazer essa discussão para a sociedade como se fosse uma faísca”, diz.

“Ouvi histórias muito violentas, e de pessoas que não conseguem arrumar emprego ou terminar o colégio por causa do preconceit­o. O corpo dessas pessoas é quase um manifesto”, afirma a atriz.

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Fotos Divulgação Carol Duarte vive Ivana em ‘A Força do Querer’; a partir desta semana, intensific­a-se sua transição para Ivan (à dir.)
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