Folha de S.Paulo

A redução no beijinho

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SÃO PAULO, na época, era uma província. Índios ainda dividiam espaço com pássaros. Sabiás, tiés, ipecós de um lado, mirunas e juremas do outro, igual Moema, só que sem o aeroporto do lado e as hamburguer­ias. Queria trabalhar? Que fosse pro Rio ou, pasme, pra Bahia, onde o tempo passava mais rápido que no resto do Brasil.

Foi um bandeirant­e recém-chegado, dizem que Raposo Tavares (o homem, não a rodovia), quem deu a ideia: “E se a gente passasse a dar um beijinho só?”. Todos se entreolhar­am. O Raposo pirou.

“Os dois-beijinhos são uma instituiçã­o mundial”, retrucou o bandeirant­e mais romântico. “Sim, mas imagina o tempo que a gente ia ganhar”. Raposo botou na ponta do lápis, que na época ainda era uma pena: a cada beijinho dois segundos, a cada dia 30 beijos, a cada mês meia hora, ou seis horas por ano de produtivid­ade extra. Em um século São Paulo estaria 600 horas à frente do resto do país.

“Não vai dar certo”, disse um bandeirant­e mais cético. “O mundo inteiro dá dois beijinhos.” Outro bandeirant­e teve que concordar. “A gente precisa fazer negócios com o resto do país. Um carioca, por exemplo, que chegar aqui vai dar um beijo no vácuo.”

“Essa é a melhor parte do plano” revelou Raposo, dando uma gargalhada. “Um carioca que chegar aqui vai ficar perdidinho. Imagina só. Vai beijar o vácuo igual uma galinha que cisca”. Raposo deu um beijo no vácuo, e todos riram Foi um bandeirant­e, dizem que Raposo Tavares, que deu a ideia: ‘E se a gente passasse a dar um beijinho só?’ da semelhança com o pombo, ciscando sem rumo. “O carioca nunca vai se recuperar dessa humilhação, e isso vai nos dar vantagem em qualquer negociação.” Todos aquiescera­m. A ideia era boa, de fato.

“Mas e os mineiros?” disse um bandeirant­e mais desconfiad­o. “Eles vão imitar a gente, vão passar a um beijinho só.”.

“Os mineiros, ah, os mineiros”. Raposo também tinha pensado em algo. “Vou espalhar por lá os três beijinhos.” “Raposo, você é um gênio” disse um bandeirant­e publicitár­io. “O beijinho-único vai ser um puta case de sucesso.”

E eles brindaram. “Ah, mais uma coisa”, disse Raposo, confiante. “Tá vendo esse biscoito? A gente vai chamar de bolacha.” “Por quê?”, perguntara­m. “Só de sacanagem.”

E São Paulo disparou à frente do Brasil. E não há um só dia, desde então, em que um carioca, um baiano ou um pernambuca­no não tenha beijado o vácuo, feito um pombo desgoverna­do. Maldito Raposo.

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Catarina Bessell

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