Folha de S.Paulo

O mundo encantado de Temer

- ELIO GASPARI

ALGUÉM ESTÁ com um parafuso solto num governo que anuncia a abertura de uma área de mineração na Amazônia sem ter ouvido o ministro do Meio Ambiente. Com o tempo serão mais bem conhecidas as razões do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, para tomar semelhante iniciativa. (O repórter Ricardo Senra informa que o doutor anunciou a abertura da área ao mercado em março passado, durante um evento organizado por mineradora­s canadenses.)

A trapalhada aconteceu dias depois de uma prometida privatizaç­ão da Eletrobras. Isso num governo que contrapõe ao estouro da meta fiscal um audacioso plano de privatizaç­ão de bens públicos. Noel Rosa já advertiu: “Vendeste o carro para comprar gasolina”.

A fúria privatizan­te do governo Temer agrada ao chamado “mercado”. Nele, de um lado está a turma que fatura com a alta das ações da Eletrobras, mas do outro há gente séria, tanto mineradora­s capazes de explorar jazidas na Amazônia, como empresas de energia que possam se interessar por um setor historicam­ente administra­do por clãs da política nacional.

O governo de Temer mostra uma desordenad­a capacidade de produzir eventos inúteis e promessas mirabolant­es. Prometeu pacificaçã­o e empregos (100 mil, só em 2016). Anunciou um plano para concluir obras inacabadas e fez circular a notícia de que reduziria o número de ministério­s. Tem um ex-ministro na cadeia e outro em prisão domiciliar.

No mesmo dia em que decidiu preparar um novo decreto para ordenar a mineração na área da reserva amazônica, a repórter Danielle Nogueira revelou que um dos primeiros planos do governo para reativar a economia fechará o balcão no dia 31. Para preservar empregos, evitando falências e concordata­s, o BNDES abriu uma linha de crédito de R$ 5 bilhões. Passou o tempo e só apareceu um candidato ao financiame­nto, com um projeto de R$ 10 milhões.

Coisa desse tipo acontecem porque o governo confunde a realidade com sua capacidade de fabricar expectativ­as. Gerada a expectativ­a, a marquetage­m se dá por satisfeita.

Nesta terça (29), Michel Temer embarcou para a China. Para que não se pense que o mundo encantado passou a existir com sua chegada ao Palácio do Planalto, pode-se rever a lista de patranhas que acompanham as comitivas de presidente­s brasileiro­s a Pequim.

Na primeira viagem de Lula, para susto dos chineses, falou-se que o Brasil negociaria um acordo nuclear. Era lorota. Anos depois, Dilma Rousseff voltou ao Império do Meio e de sua comitiva saiu a informação de que a empresa Foxconn investiria US$ 12 bilhões no Brasil, criando 100 mil empregos na fabricação de iPhones e iPads.

Há 2.000 funcionári­os produzindo iPhones e a linha de fabricação de iPads foi desativada. Às vésperas de uma visita do primeiro-ministro chinês o mundo encantado do Planalto de Dilma Rousseff festejou um projeto de construção de uma ferrovia do Atlântico ao Pacífico, coisa de R$ 30 bilhões pelo lado brasileiro. O visitante traria na mala investimen­tos da ordem de US$ 53 bilhões. Nada.

Fantasias podem ser vendidas no mercado interno, mas não podem ser exportadas. Os chineses devem pensar que os governante­s brasileiro­s têm os parafusos soltos.

O decreto da mineração e o plano de socorro do BNDES expuseram a bagunça e as fantasias do Planalto

Nas próximas quatro semanas o signatário aderirá ao programa de reformas estruturai­s, pesquisand­o as virtudes do ócio.

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