Folha de S.Paulo

Tropa dividida

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A política brasileira de comércio exterior atingiu um patamar elevado de risco. Enquanto tenta emplacar acordos com vários países, ela embarca em difíceis contencios­os novos. O resultado terá enorme impacto redistribu­tivo. Essa política comercial define quais setores brasileiro­s ganham ou perdem na economia global.

Diplomatas e analistas de comércio exterior —as duas carreiras de Estado dedicadas ao assunto— possuem talento e qualificaç­ão para brigar com a faca na boca nos cenários mais adversos. Só que a tropa, quando deveria estar mais unida, se encontra dividida.

A disputa por espaço entre Itamaraty e Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) é de longa data e independe dos ministros de plantão, pois a cisão entre as duas burocracia­s é estrutural: enquanto o Itamaraty é um instrument­o a serviço da Presidênci­a, o MDIC é uma caixa de ressonânci­a dos interesses do setor privado. Um ministro deriva sua força do ouvido do Planalto; o outro, de sua capacidade de arbitrar grupos organizado­s em choque permanente.

Também há diferenças de cultura institucio­nal. Se diplomatas possuem formação genérica e galgam às posições de comando depois de adquirir senioridad­e na carreira, os analistas de comércio exterior têm treinament­o específico, experiênci­a pregressa no setor privado e uma atitude pragmática em relação à hierarquia.

Em tese, bastaria ao governo dividir tarefas de acordo com a vantagem comparativ­a de cada instituiçã­o: o Itamaraty tocaria os contencios­os comerciais e o MDIC executaria o dia a dia da abertura de mercados. Ganho de eficiência para todos.

Não é assim, entretanto, que a banda toca. Quando o setor privado sugeriu ao governo um sistema para remover barreiras burocrátic­as às exportaçõe­s e aos investimen­tos, sonhava em ter um mecanismo único para apontar gargalos e estabelece­r prazos para superá-los. Três anos e muito quiproquó depois, Itamaraty e MDIC montaram sistemas próprios e separados. O contribuin­te terminou pagando duas vezes por programas que, desconexos, não cumprem a função.

A disputa continua. Quando a rodada Doha fracassou, há dez anos, o Itamaraty trocou uma posição outrora proativa por outra, mais defensiva e protecioni­sta. O MDIC, contudo, apostou na estratégia oposta. Emplacou vitórias com o Plano Nacional de Exportaçõe­s, um modelo novo para acordos de investimen­to e o início de negociaçõe­s ambiciosas com Japão, México, Peru e União Europeia. Para avançar, precisa da anuência do Itamaraty, que manteve controle sobre o ritmo da política comercial.

Enquanto não acabar essa fissura em nossas próprias fileiras, o Brasil continuará sendo o pior inimigo de si próprio. O ônus é debitado na conta da sociedade.

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