Folha de S.Paulo

Pobre do gato

-

SÃO PAULO - É lenda urbana, mas ganhou ares de história séria nos anos 70 nos EUA e mais tarde por aqui. A senhora deu banho no gato e resolveu secar o bicho no microondas. Como a operação não deu certo, ela então resolveu processar o fabricante do aparelho, pois o manual de instruções não atestava que secar gatos não daria certo.

Por isso ou por acreditare­m na estupidez humana, manuais de eletrodomé­sticos já há muito preveem situações ridículas como essa para que consigamos nos proteger de nós mesmos. Nada diferente do absolutame­nte óbvio “antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”.

O Brasil destes tempos clama por avisos semelhante­s. Nem o mais criativo dos legislador­es poderia imaginar que um dia se discutiria se receber flores de um investigad­o ou acompanhar a própria mulher no casamento do sobrinho dela com a filha do tal investigad­o seria prudente a um ministro do Supremo.

Certamente o legislador esperava que, após o regramento das situações óbvias de impediment­o, outras tantas surgiriam pelo caminho e seriam conduzidas pelo mínimo de bom senso. Não estava nos planos, porém, a falta de senso.

É evidente que Gilmar Mendes tem alguma proximidad­e com a família Barata. Mesmo que involuntár­ia, deveria bastar para o magistrado se declarar impedido. Não o fará, a despeito dos detratores, porque não precisa fazê-lo, respalda-se na lei e no ambiente em que vive. Gilmar é a regra do Judiciário. Uma olhada rápida nas cortes superiores e nos escritório­s que as orbitam mostrará muitas flores, casamentos, sobrenomes iguais e ausência de ilegalidad­e.

Como o Judiciário também não é exceção, Executivo e Legislativ­o enroladíss­imos na Justiça aproveitar­ão a deixa para mais uma vez propor mudanças no manual de instruções. Para preservar direitos, claro.

Enquanto isso, o prato gira no micro-ondas com o gato dentro.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil