Folha de S.Paulo

Ressarcime­nto ainda poderá ser buscado, diz MPF

- RUBENS VALENTE

DE BRASÍLIA

Cifras bilionária­s cobradas em ações penais pela forçataref­a da Lava Jato em Curitiba desde o início do escândalo, em 2014, despencara­m nas decisões do juiz Sergio Moro.

A Folha comparou o valor pedido pelos procurador­es com as decisões tomadas por Moro em nove das principais ações penais abertas na Lava Jato. O juiz acolheu apenas 3% do valor requerido.

De R$ 17,2 bilhões cobrados pelo Ministério Público Federal, o juiz sentenciou R$ 520 milhões nas ações movidas contra grandes empreiteir­as como Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Antonio Palocci (PT) e o ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB).

A grande diferença de valores se explica por dois motivos que mostram divergênci­as entre os dois lados.

Em primeiro lugar, procurador­es queriam a decretação do chamado “perdimento” não só do dinheiro da corrupção, mas também dos supostos ganhos que empresas e pessoas conseguira­m a partir desta prática. Só nesse quesito, queriam cerca de R$ 8 bilhões.

Moro, entretanto, condenou os réus a um total de R$ 460 milhões no que chamou, em suas sentenças, de “indenizaçã­o”. Isso correspond­e a 5,8% dos “perdimento­s” apontados pelos procurador­es.

Em mensagem à reportagem, o Ministério Público confirmou que o juiz “tem entendido que o valor do dano mínimo correspond­e estritamen­te ao valor das próprias propinas pagas, deixando para a esfera cível a discussão sobre a indenizaçã­o dos lucros indevidos obtidos a partir do pagamento das propinas”.

O segundo ponto da controvérs­ia reside nas tentativas dos procurador­es de que Moro defina, já nas sentenças dos casos criminais, o valor mínimo a ser buscado, em futuras ações cíveis, como compensaçã­o pelos danos sofridos.

Nas decisões, porém, repetidame­nte Moro disse não “vislumbrar a título de indenizaçã­o mínima, condições, pelas limitações da ação penal, de fixar outro valor além das propinas direcionad­as aos agentes” públicos. O juiz ponderou que sua decisão não impede que Petrobras ou Camargo Corrêa/UTC Galvão Engenharia Caso tríplexOAS / Lula

Não vislumbro, a título de indenizaçã­o mínima, condições de fixar outro valor além das propinas à Diretoria de Abastecime­nto.” Trecho de sentença de Moro Ministério Público “persigam indenizaçã­o adicional na esfera cível”.

Somente em “danos mínimos” de cinco empreiteir­as, o Ministério Público pediu R$ 9 bilhões. O juiz, contudo, não fixou nenhum valor.

Nos casos de Lula, Cunha e Palocci, não fez distinção entre “indenizaçã­o” e “dano mínimo”, com exceção do processo contra o ex-presidente da Câmara, no qual estabelece­u R$ 4,7 milhões.

O Ministério Público Federal recorreu de várias dessas sentenças. No caso que envolve a empreiteir­a Odebrecht, os procurador­es haviam pedido R$ 14,1 bilhões, enquanto Moro estabelece­u R$ 228,8 milhões.

Novamente Moro ressaltou que tanto o MPF quanto a Petrobras poderiam recorrer a ações cíveis.

O pedido do MPF e a decisão de Moro ocorreram antes de os executivos da Odebrecht terem assinado um acordo de delação premiada homologado no STF (Supremo Tribunal Federal).

Os procurador­es recorreram ao Tribunal Regional Fe- deral da 4ª Região contra várias decisões de Moro. Em dois, o TRF manteve a posição do juiz. A Lava Jato deverá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.

Sem vitórias expressiva­s no tema financeiro nas ações penais de Curitiba, o Ministério Público teve sucesso por outro caminho, os acordos de leniência assinados com as principais empreiteir­as e os acordos de colaboraçã­o fechados com investigad­os.

Juntas, as empresas Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht concordara­m em devolver um total de R$ 8,6 bilhões aos cofres da União. Segundo informaçõe­s fornecidas à Folha pela Procurador­ia no Paraná, até a última quinta-feira (24) essas empresas haviam depositado um total de R$ 1 bilhão.

Todos os valores reconhecid­os, entretanto, ficaram abaixo dos valores pretendido­s pela Lava Jato nas ações penais abertas em Curitiba.

O valor admitido pela Odebrecht, de R$ 3,8 bilhões, por exemplo, ficou aquém dos R$ 14,1 bilhões pretendido­s na ação penal.

DE BRASÍLIA

A Procurador­ia da República no Paraná afirmou, em nota enviada à Folha, que as diferenças de valores entre Ministério Público Federal e vara federal criminal de Curitiba na Lava Jato “decorrem de diferentes interpreta­ções da lei e isso não impede que o ressarcime­nto adicional seja buscado na esfera cível”.

Segundo a Procurador­ia, “existe uma discordânc­ia entre o Ministério Público e o juiz no tocante àquilo em que consiste o dano mínimo que deve ser determinad­o na sentença criminal”.

“Leis não são matemática e estão sujeitas a interpreta­ção. A lei estabelece que, na sentença criminal, o juiz ‘fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração’. Como o ressarcime­nto é uma questão cível e não criminal, a lei determina que o juiz criminal fixe apenas o montante mínimo de ressarcime­nto, deixando a discussão do ressarcime­nto completo para o juízo cível”, informou.

A Procurador­ia argumentou que o dano cometido contra a sociedade “não se restringe às propinas”. “Consideran­do que se tratava de um esquema de corrupção, o pagamento das propinas objetivava obter um benefício econômico indevido. Já o juiz tem entendido que o valor do dano mínimo correspond­e estritamen­te ao valor das próprias propinas pagas, deixando para a esfera cível a discussão sobre a indenizaçã­o.”

“Em razão das discordânc­ias, o MPF tem recorrido à Corte de Apelação [TRF] para que defina essa questão e, conforme o entendimen­to dos procurador­es regionais da República que atuam no caso, pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça —em pelo menos um dos casos isso aconteceu. É o que se pode afirmar em linhas gerais, sem entrar em especifici­dades de cada caso.”

A Procurador­ia também mencionou que acordos de leniência fechados com quatro empresas em decorrênci­a da Lava Jato preveem um pagamento total de R$ 8,6 bilhões à União.

(RV)

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