Folha de S.Paulo

Reforma pode se resumir a facilitar consultas

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

Em Brasília, já há quem fale em um “prêmio de consolação” caso a reforma política, ameaçada pela desunião partidária, empaque na Câmara— ao menos para o pleito de 2018.

O PL (Projeto de Lei) 7574/2017 exalta termos como “pleno exercício da soberania popular” e tem um nome sedutor para as massas: “Marco Legal da Democracia Direta”.

Institui a possibilid­ade de coletar virtualmen­te assinatura­s para propostas que nascem de iniciativa popular (como a Lei da Ficha Limpa) e regulament­a a convocação de plebiscito­s e referendos —que poderiam passar a acontecer junto com as eleições, como já é de praxe nos EUA.

Quando tiveram de escolher entre Donald Trump e Hillary Clinton, os americanos também palpitaram sobre maconha recreativa, o uso de sacolinhas plásticas e até se atores pornôs da Califórnia deveriam ser obrigados a usar camisinha no set (este não passou).

No Brasil, uma resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já permite consultas populares simultânea­s a pleitos. Campinas (SP) estreou a modalidade em 2014, ao votar pela criação de dois distritos.

Mas incorporá-la à lei a deixaria menos sujeita a humores políticos. “Um texto normativo pode mudar a qualquer hora”, diz Roberto Pontes, consultor legislativ­o da Câmara.

Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política na Casa, define o PL como um triunfo do lema “deixa o povo decidir”. Eleitores paulistano­s, por exemplo, opinariam sobre o que fazer do Minho- cão. Na esfera nacional, poderiam entrar em pauta temas polêmicos como voto obrigatóri­o, aborto e doação de empresas a políticos, já vetada pelo Supremo Tribunal Federal.

Outra facilitaçã­o: plebiscito­s e referendos hoje exigem apoio de um terço dos parlamenta­res. O PL o reduz a 10% (52 deputados ou 9 senadores).

Um ponto barrado: a possibilid­ade de o presidente estabelece­r essas consultas sem aval do Congresso. “Quem conquistou 50 milhões de votos tem poder de convocar plebiscito. Perdi na comissão, mas pode entrar depois como emenda. De repente o plenário é mais sensível [à ideia].”

Mais pacífica foi a discussão sobre priorizar a coleta digital de assinatura­s para projetos sugeridos pela sociedade civil, que dependem da adesão de 1% do eleitorado (cerca de 1,5 milhão de pessoas).

Algo nos moldes do aplicativo Mudamos, idealizado pelo ex-juiz Márlon Reis, “pai” da Ficha Limpa. Segundo Pontes, plataforma­s afins permitem à Câmara e ao TSE checar mais rapidament­e a veracidade dos apoios. Hoje, “na prática é qua- se inviável” conferir as assinatura­s físicas em tempo hábil, diz o consultor legislativ­o.

Por isso ainda não há PL “puro”: uma iniciativa popular que dispense “padrinho político”. “Hoje, chega-se aqui com carrinho de papel [com os apoios], algum parlamenta­r acolhe, e o projeto começa a tramitar”, afirma Pontes. ‘O RODRIGO GOSTOU’ O PL 7574 já foi aprovado na mesma comissão especial em que deputados discutem mudanças mais espinhosas, como o “distritão” e a volta do fi- nanciament­o empresaria­l. A Folha conversou com quatro membros do grupo, e todos mostraram simpatia ao texto.

“E o Rodrigo [Maia] gostou muito”, diz Cândido sobre o presidente da Câmara, hoje interino no Planalto. “Se nada mais passar, isso já será uma grande vitória”, afirma Renata Abreu (Podemos-SP).

“Tende a passar”, diz outro integrante da comissão, Chico Alencar (PSOL-RJ). “Mas, claro, não caracteriz­aria uma reforma política maiúscula: é apenas brechinha para alargar a participaç­ão popular.”

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