Folha de S.Paulo

Brasil faz última patrulha em favela da capital do Haiti

Operação simbólica marca encerramen­to da missão, nesta quinta; comandante do Exército desfalca evento

- FABIANO MAISONNAVE DANILO VERPA

Para pesquisado­r, legado de missão que apaziguou a violência política é manchado por estupros e cólera

A um dia de encerrar oficialmen­te sua participaç­ão de 13 anos na Minustah (Missão de Estabiliza­ção das Nações Unidas no Haiti), militares brasileiro­s realizaram nesta quarta-feira (30) a “última patrulha” no país caribenho.

Tratou-se de um tour para jornalista­s pela simbólica favela Cité Soleil, de cerca de 150 mil habitantes, onde o Brasil manteve base por dez anos. Em junho, entregou o prédio à Polícia Nacional Haitiana e, desde então, faz apenas incursões esporádica­s.

Nesta quinta, a maior missão militar no exterior desde a Guerra do Paraguai (186470) termina com uma cerimônia em que as principais presenças serão o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o senador Fernando Collor de Melo (PTC-AL). Apenas outro parlamenta­r, a deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), virá. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, não comparecer­á.

Apesar de Cité Soleil estar em período calmo, a Minustah a classifica como área de risco. Por isso, os repórteres, em jipes abertos, tiveram de usar coletes a prova de balas e os capacetes azuis.

Durante o percurso pelas ruas cheias de comércio e de lixo, os jornalista­s puderam descer em dois momentos, quando interagira­m com moradores dentro de um perímetro de segurança militar.

Com uma bandeira do Brasil no peito, um deles se aproximou identifica­ndo-se como “Fábio Jr.”, apelido recebido após trabalhar como faxineiro no batalhão brasileiro.

Em português quase perfeito, Ravil Loubert, 22, disse que haverá problemas com o fim da missão. “Quando os brasileiro­s estavam aqui, eles me ajudavam com maçã e leite. Mas levantei agora e não passou nada na minha boca.”

Desemprega­do e com um filho, pretende se mudar para o Brasil em novembro — seu irmão vive em Salvador. “Tem muitos [de Cité Soleil] morando no Brasil.”

Nas ruas, a passagem dos brasileiro­s atraía gestos simpatia, mas a maioria parecia indiferent­e aos veículos da ONU. Alguns se irritavam.

Houve também hostilidad­e. Em inglês, um haitiano gritou “vão se foder! Saiam do meu país!”. Num cruzamento, um caminhão bateu deliberada­mente na lateral de um jipe, sem dano maior.

Outro jipe tinha uma grande bandeira do Brasil pendurada na lateral. Na véspera, o comandante da Minustah, general Ajax Porto Pinheiro, criticara a mesma atitude por parte de militares paraguaios, porque, a seu ver, ela quebrava a unidade da missão.

Até 15 de setembro, 85% dos 950 militares brasileiro­s no Haiti partirão. Os demais ficarão para despachar equipament­os. Em 15 de outubro, a Minustah será substituíd­a por uma missão menor, que continuará a treinar a polícia e aprimorar a Justiça. LEGADO MISTO Para o diretor de pesquisa da ONG Igarapé, Robert Muggah, a Minustah deixará um “legado misto” após gastos de US$ 7 bilhões desde 2014.

Por um lado, diz, a missão conteve a violência e a agitação política, além de ajudar na reconstruç­ão após o terremoto de 2010, que matou 200 mil pessoas. “O Brasil teve papel crucial. Contribuiu com o maior contingent­e, e ofereceu ajuda vital no final de 2016, após o furacão Matthew”, escreveu, por e-mail.

“[Mas] é difícil dizer que a intervençã­o da Minustah foi um sucesso. Os esforços da ONU foram manchados pelos incidentes de abuso sexual infantil por integrante­s do Paquistão, do Sri Lanka e do Uruguai”, afirmou. “A missão também foi criticada por iniciar a epidemia de cólera”, disse, sobre a doença trazida por nepaleses que resultou em pelo menos 9.000 mortes.

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Danilo Verpa/Folhapress Militares brasileiro­s patrulham pela última vez a favela d Cité Soleil, onde tiveram base por quase dez anos; incursão, acompanhad­a por jornalista­s, foi controlada e teve incidentes

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