Folha de S.Paulo

As Farc tomam Bogotá

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi domingo: Clóvis Rossi segunda: Mathias Alencastro

DEPOIS DE 43 anos de guerra, as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia) desembarca­m nesta sexta-feira (1º), na Plaza de Bolívar, no centro de Bogotá. É também o coração da Colômbia, o ponto onde se instalaram os edifícios simbólicos, do Palácio da Justiça ao Capitólio (o prédio do Congresso), passando pela Prefeitura e pela Catedral, para chegar, pouco adiante, à Casa de Nariño, a sede da Presidênci­a.

Mas a chegada das Farc ao coração da Colômbia não é uma vitória da revolução e, sim, da democracia. “Nosso marco é a democracia liberal”, diz Pastor Alape, membro do secretaria­do do grupo, em declaraçõe­s ao “El País”, na véspera do primeiro congresso na legalidade do grupo guerrilhei­ro (o congresso se encerra justamente na Plaza de Bolívar).

Para um grupo que nasceu, em 1964, como braço armado do Partido Comunista, adotar a democracia liberal como marco é uma mudança de dimensões históricas.

Ainda mais que o percurso do comunismo armado à democracia liberal deixou um rastro sangrento: foram mais de 260 mil mortos, cerca de 60 mil desapareci­dos e ao menos 7,1 milhões de “desplazado­s”, as pessoas forçadas a deixar suas casas. A festa das Farc bem que poderia servir de lição para vizinhos, em especial para Venezuela e Brasil.

Mais ainda o caso da Venezuela, porque, embora a liderança ainda se defina como “bolivarian­a”, seja lá o que isso signifique hoje, um dos informes ao congresso prestes a terminar diz: “Não temos a pretensão de seguir de forma predetermi­nada algum modelo político ou econômico, já experiment­ado historicam­ente e com expressão no presente”.

Ou, posto de outra forma, as Farc, apesar dos notórios laços e do apoio que historicam­ente tiveram da Venezuela chavista, não a adotam como “marco”, ao contrário do que ocorre com a democracia liberal.

O novo programa das Farc ainda não foi oficialmen­te divulgado, mas tuítes que já vazaram elencam temas que também constam das agendas de partidos convencion­ais: proteção do meio ambiente, lutar contra a desigualda­de, apoio à classe trabalhado­ra.

Para o Brasil, a lição é o fato de o grupo colombiano cravar o “diálogo político” como eixo de atuação, ao contrário do monólogo que está caracteriz­ando a política brasileira. Enquanto, aqui, os principais partidos se fecham em si, as Farc anunciam a busca de uma ampla coalizão, “que supere os limites da esquerda”, como diz Rodrigo Londoño, o “Timochenko”, principal líder do grupo. Completa: “Temos que tomar consciênci­a real da amplitude com que devemos nos dirigir à nação, sem dogmas nem sectarismo­s, alheios à qualquer ostentação ideológica, com propostas claras e simples”.

Você já leu algo parecido de algum partido brasileiro, de direita ou de esquerda?

Claro que a vitória da democracia, simbolizad­a pelo ato desta sexta, não é o fim do caminho. Como diz editorial do jornal “El Espectador”, “a saúde da democracia colombiana depende da seriedade de seus atores. Estarão à altura deste momento histórico ou sucumbirão ao sectarismo populista e aos velhos ódios?” Vale para a Colômbia, vale para o Brasil.

Mas não é um triunfo da revolução e sim uma festa da democracia, com uma aula para Brasil e Venezuela

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil