ANÁLISE É complicado controlar efeitos da atividade extrativista
DE SÃO PAULO
O juiz federal Rolando Spanholo, da 21ª Vara do Distrito Federal, suspendeu, nesta quarta (30), o decreto que extingue a Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados), na Amazônia.
Para o magistrado, a decisão não poderia ter sido tomada sem apreciação do Congresso, que deveria editar uma lei para alterar a área. A AGU (Advocacia-Geral da União) afirma que vai recorrer da decisão.
Assim, Spanholo suspendeu eventuais atos administrativos com a finalidade de permitir a imediata exploração dos recursos minerais existentes na Renca. A decisão de Spanholo foi tomada a partir de uma ação popular.
Além disso, também nesta quarta (30), o Ministério Público Federal emitiu uma nota técnica, que conclui contra a extinção da reserva. A consequência ambiental seria grave: a área liberada para a mineração seria equivalente ao des matamento acumulado de quatro anos em toda a Amazônia.
“Dentro da Renca temos hoje apenas 0,33% da área total desmatada, o que configura um cenário extremamente melhor do que o entorno que não possuía a mesma proteção”, diz a nota.
A nota técnica afirma ainda que a área desmatada ocorre em áreas nas quais não deveria acontecer desmatamen- to, o que seria um indicador da pressão na região. “Se essa extensão degradada já está sendo verificada em área sob proteção, a eliminação da Renca provocará um significativo avanço na degradação como já ocorre no entorno.”
O MPF cita também a nota técnica do Ministério do Meio Ambiente (MMA), emitida em junho, antes do decreto de extinção da Renca. O MMA afirma que a “área é composta por uma floresta densa e exuberante, cujo entorno também está bem preservado.”
Ao extinguir por decreto a Renca (Reserva Nacional de Cobre e seus Associados), o presidente Michel Temer (PMDB/RJ) desconsiderou recomendação do Ministério de Meio Ambiente (MMA), que afirmava que a medida poderia provocar um aumento no desmatamento na região.
Em um aparente cabo de guerra ministerial, o Ministério de Minas e Energia levou a melhor. “A decisão pela extinção da Renca considerou parecer do Ministério de Minas e Energia, segundo o qual a medida fomentará o aproveitamento racional e sustentável, sob o controle do Estado, do potencial mineral daquela área”, afirmou em nota a assessoria da presidência.
Datada de 20 de junho, mais de um mês antes do primeiro decreto de extinção, a nota técnica do MMA alertava que a medida poderia provocar efeitos imigratórios e aumentar o desmatamento na região da reserva.
O presidente em exercício, Rodrigo Maia (DEM), disse que não iria alterar as decisões de Temer, mas ponderou que talvez o governo não tenha avaliado o impacto do decreto que extinguia a Renca. GILMAR Em outra frente de judicialização sobre a Renca, o deputado Glauber Braga (PSOLRJ) chegou a entrar com mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo que a corte reconhecesse a ilegalidade do decreto de Temer.
O partido, assim como juiz federal Rolando Spanholo, em sua liminar, alegava que a decisão não poderia ser tomada sem anuência do Congresso Nacional.
O PSOL chegou a dizer que a não suspensão imediata dos efeitos do decreto de extinção da Renca poderia “gerar danos irreversíveis” ao ambiente. A relatoria caiu com o ministro Gilmar Mendes, por meio de sorteio eletrônico.
O partido informou que retiraria o mandado de segurança, mas, no início da noite, o ministro já havia pedido esclarecimentos à AGU, que tem dez dias para responder. Com isso, teve início a instrução do processo. Ele já poderia negar o pedido de desistência, mas, agora, ganha a prerrogativa de julgar a ação mesmo que o PSOL retire a ação.
FOLHA
A Renca foi criada para proteger recursos minerais estratégicos, e não a floresta. O que explica a preocupação de ambientalistas?
Primeiramente, existe uma sobreposição do território da reserva com duas terras indígenas e oito unidades de conservação, algumas de preservação permanente —não permitem uso agrícola ou extrativista—, enquanto outras de uso sustentável —poderia haver, em tese, exploração econômica.
Um documento do Ministério do Meio Ambiente datado de junho, porém, afirma que apenas uma fração mínima da Renca foi desmatada até hoje, e que as lavras de garimpeiros existentes são antigas e de pequena escala. A abertura da área à exploração poderia desencadear o surgimento de “uma nova frente de conversão em áreas que ainda não foram alteradas de forma significativa”, diz o ministério.
Além do cobre que empresta seu nome à reserva, há jazidas de ouro, platina, ferro, manganês, níquel e ainda metais mais raros, como nióbio e molibdênio.
O complicado é realizar a exploração de minérios em grande escala com impacto ambiental baixo. Há ainda a preocupação com um efeito-dominó que tem sido comum na Amazônia.
O crescimento do extrativismo em locais até então relativamente intocados cria um ciclo de aumento populacional (via migração), crescimento da infraestrutura (o que multiplica o desmatamento e os efeitos sobre os rios) e violência no campo e contra a população indígena (causada por disputas por terra).