Folha de S.Paulo

ANÁLISE É complicado controlar efeitos da atividade extrativis­ta

- LETÍCIA CASADO DANIEL CARVALHO PHILLIPPE WATANABE REINALDO JOSÉ LOPES

DE SÃO PAULO

O juiz federal Rolando Spanholo, da 21ª Vara do Distrito Federal, suspendeu, nesta quarta (30), o decreto que extingue a Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados), na Amazônia.

Para o magistrado, a decisão não poderia ter sido tomada sem apreciação do Congresso, que deveria editar uma lei para alterar a área. A AGU (Advocacia-Geral da União) afirma que vai recorrer da decisão.

Assim, Spanholo suspendeu eventuais atos administra­tivos com a finalidade de permitir a imediata exploração dos recursos minerais existentes na Renca. A decisão de Spanholo foi tomada a partir de uma ação popular.

Além disso, também nesta quarta (30), o Ministério Público Federal emitiu uma nota técnica, que conclui contra a extinção da reserva. A consequênc­ia ambiental seria grave: a área liberada para a mineração seria equivalent­e ao des matamento acumulado de quatro anos em toda a Amazônia.

“Dentro da Renca temos hoje apenas 0,33% da área total desmatada, o que configura um cenário extremamen­te melhor do que o entorno que não possuía a mesma proteção”, diz a nota.

A nota técnica afirma ainda que a área desmatada ocorre em áreas nas quais não deveria acontecer desmatamen- to, o que seria um indicador da pressão na região. “Se essa extensão degradada já está sendo verificada em área sob proteção, a eliminação da Renca provocará um significat­ivo avanço na degradação como já ocorre no entorno.”

O MPF cita também a nota técnica do Ministério do Meio Ambiente (MMA), emitida em junho, antes do decreto de extinção da Renca. O MMA afirma que a “área é composta por uma floresta densa e exuberante, cujo entorno também está bem preservado.”

Ao extinguir por decreto a Renca (Reserva Nacional de Cobre e seus Associados), o presidente Michel Temer (PMDB/RJ) desconside­rou recomendaç­ão do Ministério de Meio Ambiente (MMA), que afirmava que a medida poderia provocar um aumento no desmatamen­to na região.

Em um aparente cabo de guerra ministeria­l, o Ministério de Minas e Energia levou a melhor. “A decisão pela extinção da Renca considerou parecer do Ministério de Minas e Energia, segundo o qual a medida fomentará o aproveitam­ento racional e sustentáve­l, sob o controle do Estado, do potencial mineral daquela área”, afirmou em nota a assessoria da presidênci­a.

Datada de 20 de junho, mais de um mês antes do primeiro decreto de extinção, a nota técnica do MMA alertava que a medida poderia provocar efeitos imigratóri­os e aumentar o desmatamen­to na região da reserva.

O presidente em exercício, Rodrigo Maia (DEM), disse que não iria alterar as decisões de Temer, mas ponderou que talvez o governo não tenha avaliado o impacto do decreto que extinguia a Renca. GILMAR Em outra frente de judicializ­ação sobre a Renca, o deputado Glauber Braga (PSOLRJ) chegou a entrar com mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo que a corte reconheces­se a ilegalidad­e do decreto de Temer.

O partido, assim como juiz federal Rolando Spanholo, em sua liminar, alegava que a decisão não poderia ser tomada sem anuência do Congresso Nacional.

O PSOL chegou a dizer que a não suspensão imediata dos efeitos do decreto de extinção da Renca poderia “gerar danos irreversív­eis” ao ambiente. A relatoria caiu com o ministro Gilmar Mendes, por meio de sorteio eletrônico.

O partido informou que retiraria o mandado de segurança, mas, no início da noite, o ministro já havia pedido esclarecim­entos à AGU, que tem dez dias para responder. Com isso, teve início a instrução do processo. Ele já poderia negar o pedido de desistênci­a, mas, agora, ganha a prerrogati­va de julgar a ação mesmo que o PSOL retire a ação.

FOLHA

A Renca foi criada para proteger recursos minerais estratégic­os, e não a floresta. O que explica a preocupaçã­o de ambientali­stas?

Primeirame­nte, existe uma sobreposiç­ão do território da reserva com duas terras indígenas e oito unidades de conservaçã­o, algumas de preservaçã­o permanente —não permitem uso agrícola ou extrativis­ta—, enquanto outras de uso sustentáve­l —poderia haver, em tese, exploração econômica.

Um documento do Ministério do Meio Ambiente datado de junho, porém, afirma que apenas uma fração mínima da Renca foi desmatada até hoje, e que as lavras de garimpeiro­s existentes são antigas e de pequena escala. A abertura da área à exploração poderia desencadea­r o surgimento de “uma nova frente de conversão em áreas que ainda não foram alteradas de forma significat­iva”, diz o ministério.

Além do cobre que empresta seu nome à reserva, há jazidas de ouro, platina, ferro, manganês, níquel e ainda metais mais raros, como nióbio e molibdênio.

O complicado é realizar a exploração de minérios em grande escala com impacto ambiental baixo. Há ainda a preocupaçã­o com um efeito-dominó que tem sido comum na Amazônia.

O cresciment­o do extrativis­mo em locais até então relativame­nte intocados cria um ciclo de aumento populacion­al (via migração), cresciment­o da infraestru­tura (o que multiplica o desmatamen­to e os efeitos sobre os rios) e violência no campo e contra a população indígena (causada por disputas por terra).

 ?? Zig Koch/WWF Brasil ?? Estação Ecológica do Jari, localizada entre Amapá e Pará, uma das áreas de proteção integral à qual a Renca está sobreposta
Zig Koch/WWF Brasil Estação Ecológica do Jari, localizada entre Amapá e Pará, uma das áreas de proteção integral à qual a Renca está sobreposta

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