Folha de S.Paulo

Uruguai revive rivalidade de mão única em clássico contra Argentina

Chance de bater o ‘irmão mais velho’ motiva uruguaios para jogo pelas eliminatór­ias da Copa

- ALEX SABINO

Em quinto lugar nas eliminatór­ias da Copa de 2018, Argentina precisa de vitória para se recuperar no torneio

Em Montevidéu, pode acontecer. Se alguém falar muito parecido ou tiver maneirismo­s de argentino, ouvirá que está se “tinelizand­o”.

“Tinelizar” —verbo inexistent­e na língua espanhola— é alusão a Marcelo Tinelli, celebridad­e da TV argentina, apresentad­or do programa “Bailando por um Sonho”, também famoso no Uruguai. “Tinelizand­o” é uma crítica. Como qualquer comparação com a Argentina que sai da boca de um uruguaio na busca por afirmação em relação ao vizinho. Menos no futebol.

Uruguai e Argentina renovam a mais antiga rivalidade do futebol sul-americano nesta quinta (31), às 20h, no estádio Centenário, pelas eliminatór­ias da Copa de 2018. É no campo que os donos da casa têm oportunida­de de mostrar sua superiorid­ade.

“Ter mais títulos de Copa América (15 a 14) do que a Argentina é motivo de orgulho para o Uruguai”, afirma o pesquisado­r Pablo Pérez de León, professor do Departamen­to de Psicologia Social e Organizaci­onal da Universida­de Católica do Uruguai.

Ele é autor de estudos sobre a identidade nacional. Em um deles, “Identidade, Atitudes e Estereótip­os Nacionais e Supranacio­nais em uma Amostra Uruguaia”, os cidadãos do país definiram os argentinos como “soberbos”, “invejosos” e “exagerados”.

“A Argentina é um país territoria­lmente muito maior do que o Uruguai. É no futebol que podemos ter relevância maior”, completa de León.

O Uruguai tem 3,3 milhões de habitantes. Apenas a região metropolit­ana de Buenos Aires tem 12 milhões.

Os donos da casa têm a oportunida­de de complicar a situação dos adversário­s por uma vaga ao Mundial na Rússia, em 2018. A Argentina está em quinto, com 22 pontos. Se perder, pode ser ultrapassa­da pelo Equador (que enfrenta o Brasil). Classifica­mse os quatro melhores. O quinto disputa a repescagem.

“Em 1986, eles ficavam gritando uns com os outros, desesperad­os não porque estavam sendo eliminados, mas porque perdiam para a Argentina”, conta o zagueiro argentino José Luis Brown, lembrando a vitória da sua seleção sobre o Uruguai nas oitavas de final da Copa de 1986.

“Sempre houve a rivalidade, claro, mas era muito mais direcionad­a por eles contra nós do que ao contrário. Achei um pouco exagerado”, conclui o campeão mundial.

De León define a rivalidade como uma “síndrome do irmão menor”, que tenta se distanciar e ser diferente do mais velho, mas não consegue, e se ressente disso.

“Se um argentino está no exterior e é chamado de uruguaio, não dá atenção. Se é ao contrário e acontece com um uruguaio, ele se ofende. Está sempre tentando se diferencia­r”, completa.

Há crianças em Montevidéu que começam a torcer por times argentinos, porque é isso o que veem na TV. Os programas de debate esportivo no Uruguai são argentinos.

O país vizinho também é um mercado vantajoso para os jogadores. Um time da se- gunda divisão argentina, pode pagar salários superiores aos da elite uruguaia.

O maior nome do futebol uruguaio no momento é o veterano meia Maxi Rodríguez, 36, contratado pelo Peñarol. Ganha US$ 70 mil mensais (R$ 221 mil), o maior salário do esporte no país. HISTÓRICA Com a bola nos pés, os dois países protagoniz­aram o primeiro jogo entre seleções fora do Reino Unido, em 1901.

Na final da Copa do Mundo de 1930, disputada no mesmo estádio Centenário que vai abrigar o jogo desta quinta-feira, o Uruguai venceu por 4 a 2 e foi campeão.

Alguns dos melhores momentos esportivos uruguaios foram neste clássico. A Argentina sediou duas vezeS A Copa América com Maradona ou Messi como astros da equipe. Foi eliminada em ambas pelo Uruguai, que acabou campeão em 1987 e 2011.

Na sociedade, a competição é mais antiga: vem desde o século 19, quando Buenos Aires e Montevidéu brigavam para ser o maior porto da América do Sul.

Passou a outros aspectos do cotidiano. Quem faz o melhor churrasco? Quem compõe os melhores tangos? Qual país prepara o mate com a água certa? Onde nasceu Carlos Gardel, o mais famoso cantor de tango da história?

“Comemos a mesma comida, ouvimos as mesmas músicas, temos caracterís­ticas parecidas aos argentinos, mas queremos nos distanciar disso”, finaliza De León.

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Miguel Rojo/AFP O argentino Lionel Messi chega em hotel em Montevidéu para partida contra o Uruguai

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