Para Maria Ribeiro, filme é atemporal e ‘argentino’
Em meio à instabilidade histórica da produção de filmes no Brasil, o cinema do país enriquece, aos poucos, um filão em que os europeus já exibem uma tradição consolidada ao longo de décadas.
São os dramas que se concentram na intimidade das relações familiares. No cinema brasileiro, “Eles Não Usam Black-Tie” (1981) e “Lavoura Arcaica” (2001) estão entre os expoentes dessa vertente.
“Como Nossos Pais”, de Laís Bodanzky, fortalece essa trilha, conciliando temas ancestrais, como a ligação entre mãe e filha, e questões contemporâneas, caso de anseios e conflitos da mulher neste século, que constituem uma nova (e bem-vinda) onda feminista.
“Não quero mais fingir que sou uma mulher que dá conta de tudo. Eu não dou conta de tudo”, desabafa Rosa, a jornalista vivida por Maria Ribeiro.
Aos 38 anos, a protagonista é filha de pais divorciados, ambos intelectuais da classe média paulistana. Emergem novas camadas de sentimentos, sempre ambíguos, na relação dela com a mãe (Clarisse Abujamra), que descobre ter uma doença grave.
Talvez por insegurança, Rosa reconhece ser mais careta que os pais, característica que molda sua convivência com as duas filhas, crianças próximas da adolescência.
Mas a crise da personagem não se limita à condição de filha e mãe. O casamento com o antropólogo Dado (Paulo Vilhena) está prestes a ruir. No mais, ela sustenta a casa com um trabalho que a frustra enquanto sufoca o desejo de se tornar dramaturga.
Algumas mulheres que leem este texto se identificarão com a protagonista. Ou verão suas amigas espelhadas na personagem. Laís Bodanzky, com 47 anos, e Maria Ribeiro, 41, enfrentam dilemas muito semelhantes aos de Rosa.
Não se trata de uma construção cujo trunfo seja a originalidade. “Como Nossos Pais” se distingue da maior parte dos dramas familiares pela naturalidade expressa nas situações de intimidade e riqueza de matizes a conduzir cada personagem. O filme nos põe dentro do núcleo familiar.
Sinais sutis conduzem a transformação de Rosa, o que exigia de Maria modulação da sensibilidade. Uma carga emotiva em excesso ou um tom mais austero da atriz resultariam noutro filme, certamente menos interessante.
Também é notável o desempenho de Clarisse Abujamra como uma mãe impetuosa, que não se constrange pela trajetória à margem das convenções.
Diretora de filmes como “Bicho de Sete Cabeças” e “As Melhores Coisas do Mundo”, Laís Bodanzky se firma como uma cineasta do seu tempo, especialmente atenta às particularidades do comportamento. Não é pouca coisa. DIREÇÃO Laís Bodanzky ELENCO Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra, Paulo Vilhena PRODUÇÃO Brasil, 2017 AVALIAÇÃO muito bom
DE SÃO PAULO
A boa acolhida de “Como Nossos Pais” no Festival de Berlim, em fevereiro, e na França e na Holanda, onde o filme está na terceira semana em circuito, animou a equipe. Mas seu arrastão de Kikitos no Festival de Gramado — foram seis estatuetas— superou as expectativas.
“Esperava que o filme fizesse sucesso, mas não imaginei que a gente ganharia tantos prêmios”, diz à Folha a atriz Maria Ribeiro. “Estava torcendo para ganhar como melhor atriz, mas ao mesmo tempo a gente segura a onda para não se decepcionar. Mas se disser que achei estranho vou estar mentindo.”
Durante o longa, há apenas uma cena curta, de menos de um minuto, na qual Rosa, personagem de Maria, não aparece. “Nunca tinha feito protagonista, e na primeira vez eu faço essa ‘protagonistaça’. Foi mesmo um mergulho muito intenso.”
Com foco em questões femininas, o filme tem um caráter atemporal, segundo a atriz. “Relacionamento não muda muito. Relação de filha e mãe, de marido e mulher. Viemos até aqui assim, vamos mudar junto, não dá para botar na conta do homem.”
A diretora Laís Bodanzky diz que em “Chega de Saudade” (2007) precisou de muito contato com pessoas da terceira idade para fazer o filme. Em “As Melhores Coisas do Mundo” (2010), teve de se aproximar dos teens. Neste, a fonte era ela mesma.
“Os conflitos não vão deixar de existir, mas temos que falar deles. No nosso imaginário, o assunto complexo está destinado ao homem. A mãe dá papinha, troca fralda, e o pai trata das coisas sérias, importantes. Isso se reproduz em tudo, na sociedade, na casa, no trabalho”, afirma a cineasta.
Para Maria Ribeiro, “Como Nossos Pais” é muito bom e “parece filme ‘argentino’, com aquilo que o cinema argentino sabe fazer bem, ao falar da classe média e olhar para si”. (THALES DE MENEZES)