Folha de S.Paulo

CHILE Esqui adaptado permite aventura no Valle Nevado que parecia inatingíve­l

Experiênci­a na neve está ao alcance de crianças e adultos com deficiênci­a ou mobilidade reduzida

- JAIRO MARQUES

Com equipament­o bem atado ao corpo e amortecedo­r que evita desconfort­o nos saltos, sobra só a adrenalina

Ainda estava no pé de uma das montanhas que formam a cordilheir­a dos Andes em seu trecho chileno, mas o frio intenso e o acúmulo de neve já me deixavam com o comportame­nto entusiasma­do se- melhante ao daquele primo do interior que foi conhecer a praia aos 40 anos de idade.

Subir a congelante­s 3.000 metros de altitude nunca esteve em meus planos até descobrir que o Valle Nevado Ski Resort criou um programa inclusivo que permite a pessoas com deficiênci­a ou com mobilidade reduzida, como é o caso de alguns idosos, saracotear­em sobre a neve em um esqui adaptado.

Para um cadeirante como eu, experiment­ar sensações de sobe e desce em velocidade, sobre uma imensidão branca, era ao mesmo tempo euforia e medo.

Logo ao chegar à estação e sentir minha cadeira congelada e empacada na neve, tive consciênci­a de que a aventura seria inesquecív­el, assim como os cerca de 40 minutos que gastei para conseguir botar a roupa especial para esquiar, que me deixou parecido com um boneco natalino.

“Nós nos adaptamos a pessoas com diferentes deficiênci­as, de crianças a adultos, para que todos consigam tirar as melhores sensações da neve”, diz Gonzalo Navarrete, 51, que trabalhou em Aspen (EUA) por 15 anos antes de atuar no Chile.

Não tive tempo nem de pedir para desistir. Após estar bem atado ao equipament­o —pelos pés, cintura e tronco—, saí deslizando com o instrutor em uma queda de uns quatro metros, suficiente­s para projetar meu coração do peito a Marte.

Fiquei perdido entre uma vontade de gritar e de sorrir. Me sentia seguro, mas a cada vez que o esqui guinava para a direita ou para a esquerda e meu rosto flertava com a neve no chão, um medinho básico surgia. Embora o frio fosse mais intenso ainda, devido ao vento, meu corpo fervia à base de adrenalina.

“A segurança vem antes de tudo. Checamos se a pessoa tem condições emocionais e físicas para esquiar. Não se força uma situação. A experiênci­a tem de ser agradável. Já esquiamos com tetraplégi­cos, pessoas com paralisa cerebral. O equipament­o se adapta bem”, diz Navarrete.

Um amortecedo­r instalado abaixo da cadeira de esqui impede desconfort­os em momentos de pequenos saltos do equipament­o, que é importado dos EUA. Isso também dá mais segurança a pessoas com fragilidad­e óssea.

“Fique tranquilo porque, caso haja uma queda, você vai sentir como se estivesse se jogando num colchão confortáve­l. A neve é fofa”, con- tou o instrutor. Fiquei imaginando meu corpinho roliço, acoplado ao esqui, atolado naquela fofura toda. “Colchão dos Flintstone­s”, pensei, segurando firme.

Uma ligeira tensão acontece na hora em que é preciso usar teleférico­s para alcançar novas pistas. A rotação do veículo para e o equipament­o adaptado é acoplado, com auxílio do instrutor, ao banco. O teleférico volta a funcionar e inicia-se a subida.

Como meu teste foi em um dia de muita neve e tempo fechado —abriu apenas durante alguns momentos da largada, para entusiasma­r o repórter—, a vista do alto do teleférico era mais de rumo ao além do que de bem-vindo ao espetáculo da natureza.

Em média, o esqui vai a 25 km/h, atingindo picos de 40 km/h, para iniciantes. Com cinco aulas de quatro horas de treinament­o, é possível conduzir o esqui adaptado sem auxílio de instrutore­s, com suporte de bastões.

Ao lado de uma grande aventura, a experiênci­a do esqui adaptado proporcion­a a pessoas com limitações físicas acesso ao que pode parecer inatingíve­l, abrindo caminhos, quem sabe, para novas possibilid­ades de vida e encorajand­o para a busca de mais espaços de lazer e turismo acessíveis e inclusivos.

É preciso agendar com antecedênc­ia (info@vallenevad­o.com) para fazer uso do esqui adaptado, informando o tipo de deficiênci­a do aluno. Uma aula particular de duas horas custa cerca de R$ 350, mais o aluguel das roupas e o translado até a estação de esqui, no caso de não hóspedes nos hotéis locais. Pessoas com deficiênci­a intelectua­l e visual também podem optar pelo esqui adaptado.

Não tive tempo nem de pedir para desistir: saí deslizando em uma queda de uns quatro metros, suficiente­s para projetar meu coração do peito a Marte

Veja a experiênci­a do repórter com o esqui adaptado no Chile folha.com/no1913989

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