Folha de S.Paulo

CRÍTICA Arrebatado­r, musical incorpora Suassuna

Retrato do sertanejo que escritor ajudou a disseminar, peça confirma extrema qualificaç­ão do atual teatro popular

- NELSON DE SÁ

“Suassuna - O Auto do Reino do Sol” se inspira não só na obra mas na figura de Ariano Suassuna (1927-2014), que chega a ser evocado no palco, terno de linho branco, empurrando uma imagem de santa.

O musical é o retrato de um universo sertanejo que ele ajudou a disseminar, para essa geração que agora ocupa a cena, em suas aulas-espetáculo­s, peças, romances.

Por outro lado, o musical confirma a extrema qualificaç­ão até mesmo técnica alcançada por esse teatro popular posterior, que foi alimentado por ele, mas é diverso, mais espetacula­r.

Como o autor Braulio Tavares já ironizava mais de duas décadas atrás, quando de seus primeiros textos para teatro, ele é de uma geração influencia­da por Suassuna, mas envenenada por Hollywood. Vale para toda a equipe.

O já veterano encenador Luiz Carlos Vasconcelo­s atingiu uma liberdade de criação ampla, sem constrangi­mentos formais, que abraça seus artistas —a começar do dramaturgo— e abre portas em todas as direções.

Neste “Auto”, que vem de temporada no Rio, as palavras e a música, os gestos e movimentos parecem ter sido afinados ao limite de sua expressão, com grande unidade, sem gargalos.

São quadros em que as estrelas são sempre os atores — em interpreta­ções das canções de grande apelo criadas por Chico César, Beto Lemos e Alfredo Del Penho; em duplas musicais e de palhaços; nos desfiles coreografa­dos.

Dos figurinos à carroça que serve de cenário e aos próprios personagen­s, as referência­s são sempre àquele universo sertanejo, sem se concentrar em qualquer obra ou fase.

Existe um pouco de armorial —o movimento artístico marcadamen­te conservado­r que Suassuna defendeu, sobretudo nos anos 1970— em tudo o que surge em cena, mas também de cultura popular massificad­a.

A Barca dos Corações Partidos poderia ser situada mais proximamen­te do Mangue Beat e de Chico Science do que do Quinteto Armorial.

A companhia nasceu e se desenvolve­u no teatro musical contemporâ­neo, em peças como “Gonzagão” e a “Ópera do Malandro”, e tem agora um encontro quase mágico com Tavares e Vasconcelo­s.

Como se viu acontecer quando o Galpão chamou Gabriel Villela para dirigir “Romeu e Julieta”, qualidades afloraram por todo lado, a começar do elenco.

A dupla de palhaços de Eduardo Rios e Renato Luciano tem a picardia que Suassuna tanto prezava e buscava, entre traiçoeiro­s e ingênuos, sempre inteligent­es, e são eles o coração do circoteatr­o da história.

Nela, uma trupe viaja à cidade de Suassuna para homenageá-lo, mas se perde numa região em que se misturam conflitos entre duas famílias ricas e delas com retirantes da seca. Tramas paralelas, que remetem a Dom Quixote e Sancho Pança, feitos pelos palhaços, e Romeu e Julieta, vão costurando de forma engenhosa as mais importante­s referência­s de Suasssuna.

Quadro a quadro, são os atores as estrelas. A dona do circo, Sultana, vivida por Adrén Alves, permite talvez a atuação mais inusitada e significat­iva, incorporan­do e ao mesmo tempo confrontan­do o universo sertanejo.

Com vozes treinadas, Alves e Ricca Barros, este no papel do Poeta Leon, fazem o dueto mais arrebatado­r deste “Auto”, quase um duelo —confirmand­o que os musicais populares não precisam se prender a amadorismo e desafinaçã­o. QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom. e feriados, às 18h; até 1º/10 ONDE Sesc Vila Mariana, r. Pelotas, 141, tel. (11) 5080-3000 QUANTO R$12aR$40 CLASSIFICA­ÇÃO 12 anos AVALIAÇÃO ótimo

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Lenise Pinheiro/Folhapress Companhia Barca dos Corações Partidos durante ensaio da peça ‘Suassuna - O Auto do Reino do Sol’ no Sesc Vila Mariana

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