Folha de S.Paulo

ANÁLISE Episódio mostra como é frágil no MPF o entendimen­to sobre delações premiadas

- RUBENS VALENTE

A decisão do procurador Ivan Cláudio Marx de pedir a absolvição do ex-presidente Lula e a anulação do acordo de delação do ex-senador Delcídio do Amaral é um cavalo de pau do Ministério Público Federal e arma um nó de difícil solução.

O episódio revela como é frágil, no MPF, o entendimen­to sobre método e alcance dos acordos de delação.

Ressalta a dificuldad­e do combate à corrupção calcado em acordos fechados antes que as provas sejam alcançadas por outros métodos clássicos de investigaç­ão, como intercepta­ções de telefonema­s e laudos periciais.

Ocorre que, antes de Marx, e sobre os mesmos fatos, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já havia denunciado Lula e pedido sua condenação.

Agora temos a seguinte situação: um delator contou à PGR o que alegou que sabia e, com base nisso, Janot entendeu que era possível conceder perdão judicial. O STF aprovou. Um ano depois, a fala do delator é atacada por outro membro do MPF. Ou seja, o delator agradou a um ouvido, mas não a outro e, por isso, poderá ser punido com a perda de todo o acordo.

Muitas perguntas surgem: se o Estado, na figura da PGR, entendeu que as declaraçõe­s do candidato a delator eram suficiente­s para um acordo e até para uma denúncia e depois disse que elas eram mentirosas, quem errou foi o delator ou foi o Estado? Se o Estado assina e pouco depois quer desfazer um acordo, que sinal está emitindo a futuros delatores?

Os críticos, encontrado­s principalm­ente nos quadros da Polícia Federal, do método da PGR de homologar delações antes da busca de outras provas terão aqui um farto material de análise.

Por um ponto de vista, o episódio é exemplo do caos processual, onde membros do mesmo órgão, justamente o responsáve­l por fazer valer a lei, batem cabeça. Por outro, pode ser interpreta­do como manifestaç­ão vigorosa da independên­cia dos procurador­es de primeira instância.

“Chefe”, no Ministério Público Federal, não deveria interferir nas convicções dos procurador­es durante um processo judicial. A independên­cia, reforçada lá na Constituiç­ão de 1988, foi reafirmada com ênfase nesta sexta (1º), para o bem e para o mal.

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