Folha de S.Paulo

OPINIÃO Google peca em transparên­cia ao financiar centros de estudo

- JONATHAN TAPLIN

A primeira coisa que se vê ao entrar na New America Foundation é o Eric Schmidt Ideas Lab, espaço que leva o nome do presidente do conselho da Alphabet, que controla o Google. A fundação de Schmidt e de sua família é a principal fonte de verbas para o centro de estudo.

Na quarta (30), Anne-Marie Slaughter, presidente da New America, divulgou comunicado afirmando que Barry Lynn, um dos dos mais conhecidos pesquisado­res da instituiçã­o, fora demitido por “sua reiterada recusa em aderir aos padrões de transparên­cia e coleguismo institucio­nal”.

Qual foi o ato terrível e perigoso que Lynn cometeu? Escreveu um artigo para o site da New America no qual expressa apoio à multa de US$ 2,7 bilhões imposta pela União Europeia ao Google por violações das leis antitruste.

A publicação se enquadrava perfeitame­nte ao trabalho na iniciativa Open Markets [Mercados Abertos], que ele comanda e que vem sendo uma das vozes mais fortes em Washington em favor de fiscalizaç­ão das violações antitruste na economia dos EUA.

Foi essa a plataforma que Lynn, Matt Stoler e Lina Khan usaram para apelar por escrutínio regulatóri­o de monopólios tecnológic­os como Google, Amazon e Facebook.

Mas o poder financeiro do Google sobre a New America é aparenteme­nte tão grande que conseguiu forçar o fim das atividades do grupo. Ainda que Slaughter negue a conexão entre o financiame­nto do Google à fundação e a decisão que ela tomou, a implicação parece clara. Uma empresa cujo lema um dia foi “não seja mau” não tem interesse em ser classifica­da como monopólio por um centro de pesquisa que ela banca.

Em seu livro “Zero to One”, Peter Thiel, investidor no setor de tecnologia, afirma que empresas como o Google mentem para se proteger. “Elas sabem que, caso se vangloriem sobre seus grandes monopólios, correm o risco de auditorias, investigaç­ões e ataques. Como querem muito que seus lucros continuem inalterado­s, tendem a fazer o que podem para esconder seus monopólios —em geral ao exagerar o poderio de seus concorrent­es [inexistent­es].” Há provas de que esses exageros são propalados por numerosos pesquisado­res e centros de estudo cujo trabalho é bancado pelo Google.

Segundo reportagem que o “Wall Street Journal” publicou em 2017, “ao longo dos dez últimos anos, o Google ajudou a financiar centenas de pesquisas para se defender contra desafios regulatóri­os ao seu domínio de mercado, pagando entre US$ 5.000 e US$ 400 mil por projeto individual de pesquisa”.

Mas, como descobriu a ONG Consumer Watchdog, as verbas do Google vêm acompanhad­as por restrições.

Bob Boorstin, diretor de comunicaçõ­es sobre política pública do Google, escreveu à Rose Foundation (grande financiado­ra da Consumer Watchdog) reclamando da organizaçã­o e solicitand­o que a fundação consideras­se “se não há grupos melhores aos quais dedicar recursos”.

Boorstin pediu desculpas por tentar paralisar um crítico do Google, mas não existem provas de que o emprego dessa tática tenha acabado.

O lema “não seja mau” que o Google adotou dava a entender que a empresa conferia valor à transparên­cia. No entanto, a dimensão de sua influência não é nem um pouco transparen­te. JONATHAN TAPLIN PAULO MIGLIACCI

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