Entidades defendem juiz que soltou suspeito de crime sexual na Paulista
Magistrado sofreu ataques após decisão sobre investigação de estupro em ônibus em São Paulo
Em decisão, juiz disse que ‘não houve constrangimento’ no ato da ejaculação sobre a passageira de ônibus
Entidades de magistrados saíram em defesa nesta sexta-feira (1º) do juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto, que libertou o homem que ejaculou em uma mulher na terça-feira (29) dentro de ônibus na avenida Paulista, na região central de São Paulo.
A Apamagis (Associação Paulista de Magistrados) e o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) divulgaram notas em apoio à decisão do juiz e ao magistrado em si.
Souza Neto ganhou notoriedade após afirmar na decisão em que anuncia a liberação de Diego Ferreira de Novais, 27, na quarta (30), que “não houve constrangimento” no ato da ejaculação sobre a mulher. Novais tem registradas outras 15 passagens pela polícia por crimes sexuais.
A delegada que fez o boletim de ocorrência considerou o flagrante como estupro. Ela também pediu a prisão preventiva de Novais. No entanto, o juiz classificou o ocorrido como importunação ofensiva ao pudor, que consta na Lei das Contravenções Penais (delitos menores), não no Código Penal, como o estupro.
A pena, portanto, é mais branda, só uma multa. No estupro, são de seis a dez anos de prisão. O Código Penal configura estupro como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a prati- car ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.”
Casos como o de quarta, em que um homem foi detido por passar a mão no seio de uma mulher por cima da roupa, se enquadram mais frequentemente como importunação.
Para o advogado criminalista Fernando Parente, o ponto que causou polêmica na decisão a menção ao “constrangimento”. O entendimento de quem se revoltou, segundo Parente, foi de que o juiz afirmou que não houve constrangimento no ato, mas ele se referia ao texto do estupro na lei: constranger a vítima a ter conjunção carnal.
“O constrangimento que ela sofreu foi consequência do ato. Ela não foi constrangida a fazer isso. Ele tê-la obrigado de alguma forma a masturbá-lo seria um constambém trangimento [que se enquadra na lei]. O que aconteceu é completamente constrangedor, mas do ponto de vista penal não é estupro e não cabe prisão”, disse o advogado.
A repercussão da decisão no país incluiu postagens em redes sociais de atrizes e apresentadoras em redes sociais, como Fernanda Lima e Adriane Galisteu, bem como das cantoras Daniela Mercury e Ivete Sangalo, todas se manifestando contrárias à decisão.
Foi o Ministério Público —o acusador, no caso— que entendeu que o ato não configurava crime de estupro e pediu o relaxamento da prisão.
O IDDD disse que “o Judiciário não pode ficar refém da onda punitiva, que teima em colocar juízes sob suspeita toda vez que decidem a favor do réu.” O Instituto lembra que o acusado ainda nem sequer foi julgado.
O procurador Mário Sarrubbo, do Ministério Público, afirma haver a hipótese de se pedir uma avaliação da sanidade mental de Novais e, a partir daí, provavelmente, a aplicação de medida de segurança, como um curso de conscientização ou medida restritiva que o impeça de frequentar determinado espaço. MUDANÇA NA LEI Apesar de defender o magistrado e dizer que adotará medidas para reparação de danos, a Apamagis afirma que neste caso “há evidente descompasso entre a lei vigente e a realidade” e pede um debate sobre o tema no Congresso, para um aprimoramento da legislação.
O IDDD também atacou a lei. “Por mais repugnante que possa ser a acusação, ao magistrado não cabia outra providência. Se a lei é omissa, não é papel do juiz ampliar seus limites”, afirma.
O Ministério Público, que aconselhou a liberação do acusado, emitiu comunicado em que diz haver dificuldade para enquadrar o fato e também sugeriu uma reforma que levasse a um tipo penal entre importunação e estupro.
“Há a necessidade de de trabalharmos com uma infração intermediária, de criar um novo tipo penal que possa abraçar esse tipo de situação”, afirma Sarrubo. “É repugnante esse comportamento. Todos nós exigimos uma resposta do Judiciário e, neste caso, mais do Legislativo.”
O Tribunal de Justiça diz que irá propor alterações que “tipifiquem com mais rigor atos dessa natureza”, com base em debates nos próximos dias.