Folha de S.Paulo

Extinção da Renca foi feita sem considerar implicaçõe­s

PARA BIÓLOGO, É POSSÍVEL EXPLORAR RECURSOS E MINIMIZAR PREJUÍZO ÀS ESPÉCIES REMOVENDO ESTRADAS E REFLORESTA­NDO

- JULIO ABRAMCZYK

Como vê a abertura da Renca para a exploração mineral?

O governo, na prática, tem o direito legal de abrir a área, mas o fez sem qualquer consulta. Basicament­e, foi apenas uma assinatura, não houve discussão nem mesmo com o Ministério do Meio Ambiente. Então, foi um movimento feito sem a devida consideraç­ão.

Eu acredito que seja necessária uma nova abordagem sobre o setor mineral como um todo, uma espécie de comitê nacional de mineração para pensar isso. Seria formado por governo, setor privado e sociedade civil, com o objetivo de pensar em como extrair minerais em áreas sensíveis do ponto de vista ambiental e social. Como isso poderia ser feito?

Há um exemplo de abordagem como essa em uma mina da Alcoa, chamada Juriti, perto de Santarém, onde eles fizeram toda a restauraçã­o da floresta imediatame­nte depois de retirarem o veio de ouro. Deu resultados?

Sim, eu estive lá e está funcionand­o. Não é a floresta antiga, mas é uma floresta tropical. É mais simples, em termos de biodiversi­dade, mas é uma floresta suficiente. Um dos problemas da mineração são as estradas e o que elas trazem —uma inesperada atividade econômica, desmatamen­to. Isso tem que ser gerenciado. No meu ponto de vista, uma vez que a mina seja concluída, a estrada deverá ser removida. Mas isso funciona? Há alguma experiênci­a global?

Não necessaria­mente com minas, mas há uma operação de gás na Amazônia peruana, Camisea, que foi desenvolvi­da em modelo semelhante a Urucu (campo de gás da Petrobras no AM). Logo que os poços começaram a produzir, eles foram conectados por gasodutos subterrâne­os, com a floresta em cima, e há pouco impacto. Mas a mineração demanda logística de transporte. Seria possível adotar esse modelo?

A mineração precisa de transporte, mas também precisamos de minas funcionand­o. Para fazer dar certo, eu colocaria no contrato uma obrigação de restaurar a floresta quando acabar a operação. Qual a importânci­a da área da Renca para a biodiversi­dade na Amazônia?

É uma região importante para a biodiversi­dade, sem dúvida, já que a Amazônia é diferente de uma área para a outra. E ela fica no Amapá, um Estado que se orgulha de ter 70% de área protegida. Quero dizer, é uma área especial.

Do ponto de vista hidrológic­o, não saberia dizer o papel dela. Provavelme­nte não é tão importante quanto o sul do Pará. A questão é que, quando você já tem perto de 20% da área desmatada, qualquer desmatamen­to é um problema. O sr. espera alguma reação da comunidade internacio­nal, como a suspensão de financiame­ntos, por exemplo?

Sim. Já estou ouvindo muitas preocupaçõ­es. Do ponto de vista interno, o risco do Brasil, a curto e médio prazo, é que haja impacto nas chuvas da região Sul. Do ponto de vista internacio­nal, há muito dinheiro de fora para proteger a Amazônia. Você já viu o que a Noruega fez (em junho, o país cortou R$ 166,5 milhões de ajuda ao Brasil por causa do aumento do desmatamen­to). A Noruega não está feliz. O sr. citou o sul do Pará. Qual a sua visão sobre a situação da Floresta Nacional do Jamaxim (que correr risco de perder área após proposta do governo para licenciar uma ferrovia)?

Eu faria de uma maneira diferente. Eu colocaria a ferrovia bem no meio da BR-162. É apenas uma questão de alterar o projeto. Porque a rota já está aberta?

Isso. Agora, assumindo que uma rodovia seja realmente necessária, há outras maneiras de fazê-la. Poderia ser uma rodovia elevada, como a que vimos aqui hoje (refere-se a apresentaç­ão sobre a Nova Imigrantes feita no evento). Alguém já pensou em um jeito de fazer isso.

A mineração precisa de transporte, mas também precisamos de minas funcionand­o. Para fazer dar certo, eu colocaria no contrato uma obrigação de restaurar a floresta quando acabar a operação

O governo vem tomando medidas com pouca discussão e cedendo a pressões ruralistas.

O problema com as pressões ruralistas para criar mais desmatamen­to na Amazônia é que isso vai impactar a agricultur­a no Sul do Brasil.

Veja isso [mostra em seu celular uma imagem do fluxo de umidade da Amazônia para o Centro-Sul]: não é igual em todos os meses do ano, mas a importânci­a da unidade da Amazônia para o Sul do Brasil está ficando mais forte ao longo dos anos. E agora sabemos o suficiente para dizer que o desmatamen­to foi uma contribuiç­ão decisiva para a seca em São Paulo.

Penso que seja necessário uma espécie de comitê nacional de mineração, com governo, setor privado e sociedade civil pensando em como extrair minerais em áreas social e ambientalm­ente sensíveis

Quer dizer que a pressão ruralista na Amazônia está ajudando a matar seu próprio negócio no Centro-Sul?

É isso. E, basicament­e, a ambição da agricultur­a brasileira em se tornar responsáve­l por 10% da oferta de alimentos do mundo depende totalmente da floresta tropical.

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